A dança das folhas no vento e a sombra convidativa das palmeiras são como uma recompensa para quem cultiva essas plantas. Mas a beleza é só um dos atributos: essas plantas garantem o sustento de 1,6 mil famílias de agricultores em Santa Catarina. As lavouras, que mais parecem florestas, cobrem 4,4 mil hectares do litoral catarinense e rendem quase 20 milhões de hastes de palmito por ano. A maior parte é processada em 50 agroindústrias, de onde saem, anualmente, 36 milhões de vidros de conserva destinados ao comércio dentro e fora do País.
Essa cadeia produtiva que cresce 10% ao ano apesar dos freios da crise econômica já movimenta R$154 milhões em Santa Catarina em todas as suas etapas: produção de mudas, cultivo e processamento industrial. No norte do Estado, o palmito é a terceira cultura agrícola mais importante depois do arroz e da banana. A região de Joinville responde por 80% da produção estadual.
Mas, historicamente, nem só de sombra e água fresca viveram os produtores catarinenses de palmito. Essa indústria foi, por muito tempo, alimentada pelo extrativismo da palmeira-juçara (Euterpe edulis Martius), uma espécie nativa da Mata Atlântica. A planta já esteve entre as mais abundantes na Floresta Ombrófila Densa, que cobria, originalmente, um terço do território catarinense. Mas a partir de 1940, as indústrias de conserva intensificaram o corte e acabaram por selar um triste destino para a juçara.
Ao longo das duas décadas seguintes, o maior volume de palmito brasileiro foi extraído das Regiões Sul e Sudeste. Com o ritmo acelerado da exploração, o estoque catarinense de palmeira-juçara caiu rapidamente, comprometendo a viabilidade econômica das indústrias do Estado. “A escassez de matéria-prima acarretou a mudança das maiores empresas processadoras de palmito do sul e do sudeste para o Pará, então com extensas reservas de açaizeiros”, conta o engenheiro-agrônomo Fábio Zambonim, pesquisador da Epagri na Estação Experimental de Itajaí.
Mas se o baque econômico foi grande, o ambiental foi ainda maior. Encerrado o ciclo extrativista, a palmeira-juçara já estava ameaçada a sair de cena. Para proteger o que restava nas matas, leis foram aprovadas proibindo o corte da espécie, salvo em raras exceções. Em 2011, o Inventário Florístico Florestal de Santa Catarina (IFFSC) contabilizou uma média de 22 exemplares por hectare nos remanescentes da Floresta Ombrófila Densa, enquanto deveria haver em torno de mil. Desde 2008, a palmeira-juçara integra a lista de espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção.
Ciência para recomeçar
Desafiados pela situação, em meados da década de 1990 pesquisadores da Epagri começaram a estudar diferentes espécies de palmáceas. O objetivo era identificar plantas que produzissem palmito de qualidade, fossem economicamente viáveis e também adaptadas às condições de solo e clima de Santa Catarina.
Foi aí que iniciaram, na Estação Experimental de Itajaí (Epagri/EEI), pesquisas pioneiras com a palmeira-real-da-austrália (Archontophoenix sp) para a obtenção de palmito. “Não havia informação técnica sobre o cultivo dessa espécie e a Epagri começou a estudar. Com informação confiável, as indústrias passaram a incentivar os plantios comerciais e o ciclo da juçara foi transferido para a palmeira-real”, conta o engenheiro-agrônomo Onévio Zabot, gerente regional da Epagri em Joinville.
Esse trabalho preparou o terreno para que a cadeia produtiva do palmito rebrotasse em Santa Catarina com uma nova cara – a da sustentabilidade. Em poucos anos, a indústria ganhou impulso nas engrenagens e o Estado se tornou o terceiro produtor nacional de palmito, atrás apenas do Pará e da Bahia.
Em cenário bem mais tranquilo, agora os produtores podem admirar com calma a beleza de seus palmitais e aproveitar as vantagens de um negócio lucrativo. “A atividade é competitiva economicamente com outras culturas tradicionais do litoral catarinense, como a banana e o arroz”, cita Onévio Zabot.
Um hectare de palmeiras produz, em média, 4,5 mil hastes de palmito por ano. Cada haste, depois de processada, rende de 500g a 1.200g de palmito. Tudo isso depende da espécie plantada, das condições de solo e clima e do sistema de produção. Mas a atividade permite lucrar, de modo geral, entre R$3,5 mil e R$5 mil por hectare a cada ano, já descontando os custos de produção. Além de abastecer a indústria, é possível vender o palmito in natura.
Australiana bem “catarinense”
A palmeira-real-da-austrália é a espécie mais plantada em Santa Catarina. “Ela é bem adaptada ao nosso clima, é rústica e tem ciclo de corte rápido. Dois a quatro anos depois do plantio, já pode ser colhida”, diz o pesquisador Fábio Zambonim. Originária da Austrália, a planta gosta do clima quente e chuvoso do Norte Catarinense e tem agradado os agricultores da região.
“Temos o melhor clima do mundo para produzir a palmeira-real”, defende o produtor Edson Fantini, de Porto Belo. Para ele, que tem 22ha em produção e está implantando mais 15ha, a espécie é um ótimo investimento. “Como cultura agrícola, ela tem um risco potencial pequeno. A enchente não mata, o vendaval não derruba, o granizo não compromete a parte nobre e uma seca não muito longa até atrapalha o crescimento, mas não mata a planta. Com uma área a partir de 10ha, uma família já consegue viver dessa atividade”, explica o produtor.
Outra vantagem é que, com manejo de corte adequado, é possível colher palmito o ano todo. E se o momento econômico não está bom ou o preço está baixo, o produtor pode segurar a colheita e “estocar” o produto na lavoura por um período.
O cultivo da palmeira-real também é considerado uma atividade sustentável. Por ser um reflorestamento, ele substitui o corte de espécies nativas. As plantas oferecem boa cobertura para o terreno, e as raízes, fasciculadas e abundantes, ajudam a reestruturar o solo. A palmeira também tem poucos problemas com pragas e doenças, o que reduz a necessidade de usar produtos químicos. “Trabalhamos com o mínimo de agroquímicos e a nutrição é principalmente de base orgânica – usamos esterco de galinha curtido na forma líquida”, conta Edson.
Mesmo assim, quem quer ter boa produtividade precisa caprichar no manejo. Como qualquer frutífera tropical, a palmeira-real exige cuidados e um volume razoável de mão de obra. A densidade da lavoura varia entre 10 mil e 20 mil plantas por hectare e, para cada 7 a 8ha, precisa-se de um trabalhador. “Para se ter boa produção, há que se adotar boas práticas agrícolas, a começar por escolha do terreno, análise e preparo do solo e escolha de mudas de viveiros registrados no Ministério da Agricultura. Há também que se verificar a densidade ideal, linhas e espaçamento entre as plantas”, aconselha o agrônomo Onévio Zabot. Práticas como roçadas, adubação de manutenção e controle de eventuais pragas e doenças também são importantes para garantir bom resultado.
Na indústria, a palmeira-real-da-austrália tem uma desvantagem: apenas 20% da haste (contra 70% na palmeira-juçara) pode ser aproveitada como tolete, que é o produto mais valorizado no mercado. O restante vira palmito picado e rodelas. Mas o produtor Edson e a filha Glória, que comandam a indústria Natupalm, encontraram uma solução para agregar valor à parcela de palmito picado: “Investimos em pesquisa. Em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina, desenvolvemos um patê de palmito que tem boa aceitação entre os consumidores das classes A e B”, revela Edson. Em breve, novos produtos à base de palmito devem aparecer no mercado.
Pesquisas na frente
Por conta da importância e das vantagens da palmeira-real-da-austrália, o foco dos estudos da Epagri é direcionado para essa espécie. Em um trabalho que virou referência no País, os pesquisadores desenvolveram o sistema de produção completo para o cultivo e agora concentram os esforços em melhoramento genético. A meta é lançar uma variedade em três ou quatro anos.
Pesquisas voltadas para nutrição e manejo de solo também são realizadas com outras espécies, como a palmeira-imperial (Roystonea sp), o palmito híbrido (E. oleracea x E. edulis), a pupunheira (Bactris gasipaes) e a própria palmeira-juçara. A maior parte dos estudos de campo é realizada na forma de pesquisa participativa nas propriedades. Há experimentos instalados em Itajaí, Blumenau e Joinville.
Para divulgar o conhecimento e organizar a cadeia produtiva, há mais de dez anos a Empresa promove encontros, dias de campo e cursos pelo Estado. O objetivo é capacitar técnicos e agricultores no manejo das lavouras e no processamento dos produtos das palmáceas. Outro desafio desse trabalho é reconquistar o mercado internacional, perdido com o fim do ciclo extrativista.
Juçara volta à cena
Protegida pela lei, a palmeira-juçara está reaparecendo nas florestas e propriedades rurais do Estado. Embora o cultivo esteja submetido a uma série de regras, que incluem licenciamento para o plantio e para o corte, a espécie tem se tornado uma boa fonte de renda.
E não é só cortando a planta que se ganha dinheiro. Com os frutos da palmeira-juçara é possível produzir açaí, um alimento de alto valor nutricional e com mercado em expansão. “O aproveitamento do fruto não causa a morte da planta, como na colheita do palmito, e possibilita maior rendimento econômico por planta”, diz o pesquisador Fábio Zambonim. O açaí de juçara não é o mesmo extraído dos frutos das palmeiras da Amazônia (Euterpe oleracea), mas é bastante semelhante e apresenta as mesmas características nutricionais do “primo” do norte.
Em Santa Catarina, a Epagri estimula o cultivo da juçara para uso múltiplo, ou seja, colheita de frutos como produto âncora e de palmito nos desbastes necessários para o manejo das plantas. A produção comercial de frutos começou em 2003 e transformou o Estado no maior produtor de açaí de juçara do Brasil. A safra de 2012 rendeu 245t de frutos e 123,9t de polpa.
O plantio da palmeira-juçara é recomendado em sistemas agroflorestais, em consórcio com outras frutíferas. A bananeira é a “parceira” mais comum. “Com bom planejamento, as duas culturas convivem bem. As palmeiras podem contribuir com o sombreamento adequado da bananeira, o que é importante para minimizar os problemas com a sigatoka-negra, principal praga que ataca a cultura. A juçara também precisa de sombreamento nos dois primeiros anos”, diz o pesquisador Fábio Zambonim.
Essa é a opção do agricultor Waldemar Arndt, de Garuva, que produz frutos de juçara e banana em uma área de 7 mil metros quadrados. Ele começou a plantar a palmeira em 1985 para produzir palmito e, em 2003, passou a explorar os frutos. “Colho 3 a 4t por ano e vendo para a indústria a R$1,20 o quilo. É uma boa remuneração, pois não dá muito trabalho e tenho duas rendas na mesma área”, conta. A produção de banana também vai bem. “Não uso veneno, pois com o sombreamento não aparece a sigatoka”, diz o agricultor.
Em um experimento instalado em Joinville, a Epagri também testa o consórcio de juçara com plantas como feijão-guandu, leucena e manjericão. Outro sistema difundido no Estado é o uso da palmeira-juçara como cerca viva nas propriedades. Plantada em fileiras entre uma lavoura e outra, a espécie não compete com a cultura principal e ainda ajuda a evitar a erosão e reter água no solo.
Por ser uma planta “selvagem”, que não passou por um processo de domesticação, a palmeira-juçara tem uma grande diversidade genética. Isso se reflete, por exemplo, no potencial produtivo: há plantas que produzem cachos de 15kg e outras, de 5kg. Com base nisso, os pesquisadores estimam uma produção média de 5 a 7kg de frutos por planta ao ano, o que rende entre 2,5 e 3,5kg de açaí. “O estande médio recomendado para colheita de frutos é de 500 plantas em produção por hectare”, acrescenta Fábio.
Com a popularização do alimento no sul do Brasil, esse mercado oferece boas oportunidades para os produtores catarinenses. “Há muito para crescer, pois as agroindústrias e os mercados daqui ainda compram açaí do Pará, que é o maior produtor nacional”, diz o pesquisador da Epagri.
Parceria com a natureza
Quem olha de longe para os morros de Biguaçu, na Grande Florianópolis, nem imagina que o que parece mato, na verdade, é a fonte de renda de muitas famílias. Essas florestas abrigam bananais de mais de 150 anos que já sustentaram várias gerações de agricultores. Na propriedade que Alécio de Souza herdou do avô, hoje se produz banana orgânica certificada e frutos de palmeira-juçara. “A palmeira nasce sozinha dentro do mato, são os passarinhos que plantam”, diz a esposa, Inês Maria.
Com um manejo que respeita a natureza, o casal colhe frutos de palmeira-juçara há seis anos. Entre março e junho, a cada 15 dias eles entram na mata com foices de cabo longo, cortam os cachos e os aparam com um saco. Depois despencam os frutos e, em casa, fazem a seleção. Cada safra rende cerca de 700kg de frutos. “É ótimo para a renda porque precisamos apenas manejar a sombra do mato e colher”, diz a agricultora.
Quando sai da propriedade, a colheita vai para a agroindústria Sabor da Fruta, no interior de Antônio Carlos. Lá, Elisiário Petri produz 8 a 10t de açaí por safra com matéria-prima de agricultores da região. “Comecei comprando açaí do Pará para vender aqui. Aí pensei: por que não processamos a nossa própria fruta? Fizemos testes até achar o ponto certo e hoje trabalhamos com a produção local”, conta.
Poder dividir os benefícios da palmeira-juçara com a natureza é mais do que um incentivo para os agricultores. Várias espécies da fauna utilizam recursos dessa planta, como pólen, néctar, frutos, sementes e plântulas para sobreviver. “Ao reintroduzir a palmeira-juçara na paisagem produtiva, com o cultivo de forma integrada ao agroecossistema, o produtor está abrindo uma nova possibilidade de renda e contribuindo com a conservação do solo e a promoção da biodiversidade”, defende Fábio Zambonim. Muito além do dinheiro no bolso, o cultivo sustentável traz o doce sabor da preservação.
RIZICULTORES DO SUL SE RENDEM AO PALMITO
Embora a produção esteja concentrada no norte do Estado, agricultores do Sul Catarinense também lucram com o palmito. Membros da Cooperativa Agropecuária de Tubarão (Copagro), que historicamente trabalham com arroz, iniciaram o plantio de palmeira-real-da-austrália em 2003 e, cinco anos depois, abriram uma indústria de conservas. Hoje, dos 190 associados, dez produzem palmito em 200ha. “Eles identificaram no palmito uma cultura com concentração econômica maior que o arroz e a bovinocultura, que são fortes aqui na região”, diz Dionísio Bressan Lemos, presidente da cooperativa.
O clima não é favorável como no norte porque é mais frio e seco e está sujeito a geadas, mas isso não inviabiliza a atividade. A indústria processa 100 mil vidros de conserva por mês, que são vendidos para o sul e o sudeste do Brasil e também para os Estados Unidos. “A aceitação no mercado é muito boa. A palmeira-real é a que mais se aproxima da juçara em relação ao sabor”, destaca Dionísio.
Por Cinthia Andruchak Freitas, jornalista – cinthiafreitas@epagri.sc.gov.br