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Epagri desenvolve tecnologia para produzir uvas finas de mesa em Santa Catarina

O objetivo é oferecer um produto de alto rendimento para o agricultor e disseminar a produção de uvas finas em Santa Catarina (Foto: Alexandre Netto/Epagri)

As uvas saborosas, graúdas e até sem sementes vendidas nos supermercados de Santa Catarina são colhidas, na maioria, por produtores de fora do Estado. Elas vêm de São Paulo, do Nordeste, do Paraná e do Rio Grande do Sul e algumas são importadas. Mas se depender do trabalho da Epagri, em breve os agricultores catarinenses vão sentir o sabor das uvas finas de mesa colhidas em suas terras. A Estação Experimental de Videira começou a pesquisar em 2012 tecnologias para o cultivo de uvas destinadas ao consumo in natura e os resultados já dão água na boca.

São seis cultivares em avaliação: as uvas de mesa Poloske, Niágara Rosada e Dona Zilá e as uvas finas de mesa Rubi Itália, Crimson Seedless e Centennial Seedless – estas duas últimas sem sementes, inéditas no Estado. O objetivo é oferecer um produto de alto rendimento financeiro para o agricultor e disseminar a produção de uvas finas em Santa Catarina, colocando o Estado na lista nacional de produtores.

Os catarinenses já produzem, em pequenas quantidades, os cultivares comuns (Poloske, Niágara Rosada e Dona Zilá) e a Rubi Itália. Mas o cultivo não é expressivo – as áreas são pequenas e se limitam a poucas propriedades. No vinhedo demonstrativo instalado em Videira, a pesquisa da Epagri busca mostrar a viabilidade econômica do cultivo dessas variedades numa região que, historicamente, sofre com a mortalidade das plantas. O projeto é executado com recursos do Programa SC Rural e envolve tecnologias de manejo de solo, de plantas e de controle de pragas e doenças.

Cobertura plástica reduz a umidade nas folhas e dificulta a disseminação dos fungos (Foto: Alexandre Netto/Epagri)

Cobertura contra umidade

A grande novidade do projeto “Viabilização econômica do cultivo protegido de variedades de uva de mesa” é o uso de uma cobertura plástica sobre as plantas. Ela ajuda a contornar um dos maiores obstáculos para quem tenta produzir essas uvas na região: o clima úmido, que influencia diretamente na ocorrência de doenças e na qualidade dos frutos.

A pesquisadora Eliane Andrade explica que o plástico protege as plantas da incidência direta da chuva, reduzindo a umidade nas folhas e dificultando a disseminação dos fungos, que provocam doenças. “Essa prática reduz consideravelmente o uso de agrotóxicos e facilita a produção orgânica de uva”, diz.

O uso de fungicidas cai drasticamente. Dependendo da safra e da variedade, o número de pulverizações no sistema convencional pode ultrapassar 20 por ano. Com a cobertura plástica, geralmente são necessárias, no máximo, cinco aplicações de fungicidas. E no caso de variedades rústicas, é possível até eliminar o uso de tratamentos químicos.

Já que as plantas são cobertas, a irrigação é controlada, feita por gotejamento. Mangueiras dispostas sobre o solo ao longo das linhas de plantio fornecem, gota a gota, água na medida certa para as videiras. Além de garantir o uso racional desse recurso, o sistema permite adubar a planta em um processo chamado de fertirrigação. “A disponibilização de fertilizantes e água via irrigação possibilita um adequado manejo hídrico e de nutrientes para as plantas”, destaca a pesquisadora.

Videira sem “declínio”

Os resultados da primeira colheita mostraram que a pesquisa está no caminho certo (Foto: Alexandre Netto/Epagri)

Outra consequência da combinação de clima úmido e solo argiloso é o declínio da videira, um problema fitossanitário causado pela atuação conjunta da pérola-da-terra, um inseto que se alimenta das raízes das videiras, com fungos causadores de podridão de raízes. Nesse caso, o controle com produtos químicos normalmente é muito difícil. Uma alternativa para minimizar o problema do “declínio”, explica o pesquisador Marco Dalbó, é usar porta-enxertos resistentes.

Para ajudar a drenar o solo, os pesquisadores de Videira construíram camalhões – trechos de terra mais elevados nas linhas de plantio. A elevação da terra permite que a água escoe rapidamente, facilitando a entrada de oxigênio até as raízes. “Essa condição de melhor aeração cria um ambiente desfavorável ao estabelecimento dos fungos causadores de doenças e propicia o desenvolvimento das raízes”, explica Dalbó.

E para regular o desenvolvimento das plantas, os hormônios vegetais, também conhecidos como fitormônios, são usados ao longo do ciclo produtivo. Para aumentar o tamanho das bagas de uva, por exemplo, se pulveriza fitormônio nos cachos quando elas ainda estão pequenas. Nas variedades sem sementes, é comum o uso de giberelinas para substituir a produção natural desse hormônio que ocorre nas sementes.

Qualidade em cachos

Combinando todas essas tecnologias, os pesquisadores fizeram a primeira colheita do experimento no início de 2015. A uva Centennial Seedless foi a grande surpresa e impressionou os pesquisadores pela aparência e pelo sabor. “O uso da cobertura plástica proporcionou frutos com excelente sanidade. Todos os cultivares apresentam potencial de produção, mas o destaque foi o Centennial Seedless, que obteve boa aceitação do público em degustação feita em supermercados de Videira”, conta o pesquisador Alexandre Menezes Netto.

O projeto segue em andamento para se obter ainda mais informações que possam suprir a demanda por tecnologia para a produção de uvas finas em Santa Catarina. Nas próximas etapas, os pesquisadores vão observar a produtividade e fazer testes com reguladores de crescimento e manejo fitossanitário de doenças e pragas.

Bom negócio

Dias de campo apresentam os resultados do trabalho a agricultores e técnicos (Foto: André Külkamp/Epagri)

O custo para implantar um hectare de vinhedo em sistema “Y” ou manjedoura é de aproximadamente R$45 mil sem cobertura e R$125 mil com cobertura. Apesar do investimento alto, a atividade tem potencial de renda elevado. “O mercado é muito promissor, haja vista a exigência cada vez maior do consumidor por produtos de qualidade e com menor quantidade de resíduos de agroquímicos possível”, justifica o pesquisador André Külkamp.

Hoje, o produtor recebe cerca de R$1,50 pelo quilo da uva de mesa comum e R$5,00 pelo quilo da uva fina. Colhendo em sistema protegido, ele pode ofertar ao mercado frutos de alta qualidade e obter um preço ainda melhor. Enquanto a renda bruta acumulada em vinhedos não protegidos é, em média, R$65 mil por hectare no quinto ano, um sistema com cobertura rende R$225 mil a mais por hectare. Com frutos saudáveis, também é possível atrasar a colheita e vender o produto fora do período de maior oferta para conseguir melhor preço no mercado.

Os pesquisadores ressaltam que essas vantagens do cultivo protegido podem ser alcançadas com qualquer tipo de uva em qualquer região do Estado. “Um cultivar comum como a Niágara Rosada apresenta diferenças significativas na apresentação do produto final quando é produzido sob proteção”, diz Alexandre Netto. No caso das uvas finas de mesa, o sistema protegido é indispensável para produzir nas condições climáticas da região de Videira.

A equipe de pesquisadores acredita que, quando forem superados os principais obstáculos desse cultivo, o Vale do Rio do Peixe terá possibilidade técnica para se tornar um polo produtor de uvas de mesa – não somente das variedades comuns, mas também de uvas finas tipo exportação, de preferência sem sementes. “Um produto com maior valor agregado, de qualidade superior à média oferecida pelo mercado e com menos agrotóxicos pode gerar impacto positivo nos âmbitos social e econômico para o produtor”, defende Alexandre.

Palestras, dias de campo e cursos estão sendo realizados em várias regiões catarinenses para mostrar os resultados do trabalho a agricultores e técnicos. A adoção dessas tecnologias ainda é tímida, mas o número de interessados é crescente. Com a adesão dos agricultores, a expectativa é que o cultivo de uva, uma atividade tradicional no Estado, ganhe fôlego e gere boas oportunidades de negócio para as famílias rurais. É apenas questão de tempo para as uvas finas catarinenses mostrarem toda sua qualidade nas prateleiras dos supermercados.

CONHEÇA OS CULTIVARES EM TESTE NA PESQUISA

 Centennial Seedless: É um cultivar sem sementes obtido nos Estados Unidos a partir de cruzamentos e lançado em 1980. A planta é vigorosa e produtiva, com folhas e cachos grandes, bagas brancas, alongadas, crocantes e com sabor neutro agradável. A Centennial Seedless rende, em média, 35t/ha a partir do quarto ano de produção.

Crimson Seedless: É uma importante variedade de uva sem sementes cultivada no Brasil. Os cachos têm coloração rosada intensa. As bagas são alongadas e pequenas, de tamanho inferior ao exigido para exportação, e demandam o uso de reguladores de crescimento para ficarem maiores. Os frutos têm textura da polpa crocante e sabor neutro.

Rubi Itália: Esse cultivar surgiu de uma mutação em pomar de uva Itália em 1972, no Paraná. Apresenta as mesmas características da Itália, com exceção da cor da película, que é rosada. Para apresentar boa coloração, precisa maturar em períodos com amplitude térmica, ou seja, temperaturas altas durante o dia e baixas à noite.

Poloske: Foi obtida em 1979 na Hungria e introduzida em Videira em 1990. Tem cachos grandes e baga média, de cor verde-clara e amarelada quando exposta ao sol. A polpa é semi-carnosa e tem sabor moscatado. Origina vinho branco e espumante aromático e pode ser consumida in natura. É vigorosa e fértil, com produtividade acima de 30t/ha.

Niágara Rosada: É uma mutação da niágara branca que surgiu em 1933 em São Paulo e substituiu em grande parte o consumo da niágara tradicional (branca) como uva de mesa, em virtude da coloração mais atraente. Pertence à espécie Vitis labrusca (uva americana) e é muito produtiva e resistente a doenças. As bagas são de cor âmbar, tamanho médio.

Dona Zilá: Essa uva tem cacho médio e baga média, rosada mais ou menos intensa e esférica. O sabor é “aframboesado” e doce. Apresenta maturação tardia, cerca de 45 dias depois das niágaras, e por isso é indicada especialmente para regiões de altitude, onde se obtém o máximo retardamento da colheita. Tem vigor vegetativo elevado e alto potencial produtivo.

Por Cinthia Andruchak Freitas, jornalista – cinthiafreitas@epagri.sc.gov.br

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