Segurança alimentar, especialmente em tempos de mudanças climáticas, é um tema que aflige populações e governos. O biólogo e pesquisador da Epagri/Ciram Luiz Fernando Vianna foi convidado a refletir sobre esse tema durante o V Congresso Brasileiro de Redução de Risco e Desastres, realizado em outubro em Florianópolis.

Mais do que uma palestra, o pesquisador da Epagri apresentou à plateia importantes provocações. Inspirado na escritora nigeriana Chimamanda Adichie, ele iniciou argumentando sobre o perigo de uma história única. Sob esse aspecto, Vianna buscou desconstruir narrativas hegemônicas sobre agricultura, fome e sustentabilidade.
Contrariando a abordagem da FAO, o pesquisador enfatizou que a insegurança alimentar não pode ser considerada um conceito único, pois varia drasticamente conforme o contexto de cada sociedade e realidade.
Para exemplificar, compartilhou uma experiência pessoal de sua visita recente a Maturacá, aldeia no coração do Amazonas. Lá, ele observou que os indígenas desfrutam de autossuficiência alimentar, ou seja, têm alimentos naturais em abundância, sem necessidade de acesso econômico. Por outro lado, já chegam a esses povos alimentos ultraprocessados, que passam a alterar hábitos alimentares ancestrais, principalmente de crianças.
Segundo Vianna, este paradoxo é um exemplo de como o conceito de acesso econômico da FAO não se aplica universalmente. A insegurança alimentar, neste caso, não resulta da falta de alimentos ou recursos financeiros, mas da substituição de alimentos tradicionais por ultraprocessados, demonstrando que a questão é muito mais complexa do que simplesmente alimentar uma população crescente.
Tecnologia pode não ser a única solução
Ele argumentou que a narrativa dominante de que “precisamos alimentar uma população crescente cada vez maior” cria um ideal coletivo de fome que é muito mais complexo do que aparenta. Essa história única nos leva a soluções simplistas, como aumentar a produtividade através de tecnologia, entre elas melhoramento genético.
Contudo, ele pondera que, do ponto de vista ecológico, o aumento de produtividade baseado em melhoramento genético apresenta riscos sistêmicos graves, entre eles a substituição da diversidade por monoculturas, a criação de espécies totalmente dependentes do homem para reprodução, a necessidade de condições controladas para atingir altas produtividades e a vulnerabilidade extrema à mudanças ambientais.

Vianna entende que a dependência de tecnologias humanas para produção de alimentos traz consigo grandes riscos. Na avaliação dele, a monocultura tecnológica cria um sistema frágil, ao contrário dos sistemas naturais diversos e resilientes.
Para ele, a diversificação e um novo aprendizado sobre sistemas de produção de alimentos são fundamentais. Isso porque sistemas diversos resistem melhor a choques, se adaptam melhor a mudanças climáticas e reduzem a dependência de tecnologias proprietárias.
Por fim, o pesquisador sugeriu em sua palestra expandir o conceito de segurança alimentar da FAO. Na avaliação dele, tal conceito deve incluir não somente humanos, mas todos os seres vivos, bem como ter a diversidade como elemento central. Entre outros aspectos, o pesquisador entende ainda que um conceito de segurança alimentar mais complexo e inclusivo deve reconhecer que insegurança alimentar se manifesta diferentemente em cada realidade, além de priorizar sistemas resilientes e diversos em vez de sistemas produtivos, porém vulneráveis
A mensagem final deixada pela palestra é de que a mudança climática não é apenas um desafio técnico a ser resolvido com mais tecnologia, mas uma oportunidade para questionar as histórias que nos trouxeram até aqui e construir múltiplas narrativas mais diversas, resilientes e verdadeiramente sustentáveis sobre nossa relação com a Terra e a produção de alimentos.
Confira aqui a palestra de Luiz Fernando Vianna.
Por: Gisele Dias, jornalista Epagri
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