Assoreamento, erosão, perda de biodiversidade e redução de nascentes são algumas das consequências da degradação das matas ciliares. Esta vegetação, presente às margens de rios, nascentes, lagos e outros corpos hídricos, atua como um filtro natural, que além de impedir a contaminação da água com lixo, agrotóxicos e sedimentos, também contribui para o equilíbrio do ecossistema.

Este cenário de degradação estava presente nos municípios do Extremo Oeste de Santa Catarina, onde a agropecuária é a principal atividade econômica. O extensionista e líder do projeto Solo, Água e Ambiente, da Epagri, Clístenes Antônio Guadagnin, explica que “a região do Extremo Oeste catarinense, onde predomina a bovinocultura leiteira, apresentava historicamente muitos problemas de acesso direto dos animais às fontes de água, sangas e rios, provocando danos a esses recursos hídricos, como erosão do solo, contaminação das fontes de água, assoreamento e problemas sanitários causados pela falta de isolamento e proteção das matas ciliares”.
No mesmo sentido, a extensionista Aurea Gasperin Facco, do município de Guaraciaba, revela que “os principais impactos ambientais observados nas propriedades rurais eram o acesso direto dos animais às áreas ribeirinhas, a destruição da mata ciliar, o assoreamento do leito dos mananciais, o uso intensivo de agrotóxicos nas áreas de produção agropecuária, a falta de proteção de nascentes, a pouca existência de peixes nativos e da fauna original, além da presença de plantas exóticas e da poluição com dejetos orgânicos”. Esta percepção é compartilhada pelos extensionistas Leonilda Romani Villani e Carlos Airton Paganini, dos municípios de Paraíso e São Miguel do Oeste, que destacam também a significativa presença de erosão nas áreas analisadas.
Entretanto, este panorama começou a mudar há quase duas décadas, graças a ação conjunta entre a Epagri prefeituras, escolas, famílias ribeirinhas, produtores rurais, polícia ambiental e instituições como o Sicoob São Miguel do Oeste. Os projetos de educação ambiental voltados para estas áreas de preservação começaram em 2006, com o pioneiro, Amigos do Arroio Bandeirante, concluído em 2019. De lá para cá, diversos projetos surgiram em 40 municípios da região, a maioria, vinculados ao projeto Solo, Água e Ambiente no Extremo Oeste Catarinense.
Natureza em reconstrução
As ações prioritárias dos projetos desenvolvidos no Extremo Oeste se concentraram na identificação das áreas de preservação permanente, construção de cercas, para evitar o acesso dos animais às fontes de água, e plantio de mudas nativas, aliadas à educação ambiental das comunidades.

Clístenes Guadagnin enfatiza que nestes projetos é importante também realizar um estudo detalhado do local a ser recuperado para, assim, selecionar as espécies nativas mais adequadas para a recuperação da vegetação original. O engenheiro-agrônomo explica que “essa região se caracteriza pela predominância da floresta com araucárias (ombrófila mista), sobretudo em regiões de maior altitude e também da floresta estacional decidual, ao longo das margens do Rio Uruguai e seus afluentes. Por isso, algumas das espécies escolhidas para estas áreas incluem Araucária e árvores frutíferas nativas da Mata Atlântica como Uvaia, Pitanga, Araçá e Guabiroba, além dos os Ipês, a Canela, o Cedro e o Angico”.
O resultado pode ser observado na restauração da mata primária, secundária e até terciária em alguns pontos, melhoria da qualidade e da quantidade de água, contenção da erosão e também na diversificação da fauna e da flora. Carlos Paganini relata que as ações desenvolvidas no município de Paraíso são percebidas principalmente pelos ribeirinhos. “Eles nos contam que a água está mais limpa, o que fez com que os peixes voltassem para os rios”, diz.
Esta revitalização é de extrema importância para o equilíbrio do ecossistema e para a qualidade de vida dos moradores das áreas rurais e urbanas, uma vez que muitos destes rios, como o Camboim, em São Miguel do Oeste, são fontes de abastecimento de água para os municípios.
Aurea Gasperin Facco avalia que “as ações humanas têm contribuído para o desequilíbrio ambiental do ecossistema que abrange as bacias hidrográficas dos arroios e rios. Por isso, é importante incentivar a recuperação de diferentes arroios para a produção de água de qualidade e em maior quantidade, bem como para regularização ambiental das propriedades lindeiras e execução de educação ambiental”.
Preservação é um trabalho coletivo
Ao longo destes 19 anos foram restaurados aproximadamente 100Km de mata, localizadas às margens de córregos, rios e mananciais hídricos. Esta recuperação é fruto do trabalho coletivo que tem na educação ambiental um de seus principais pilares. A proposição dos projetos partiu, em muitos casos, de escolas estaduais e municipais, movidas pelo papel social da educação na comunidade em que estão inseridas e preocupadas com o desenvolvimento de uma consciência ambiental em seus alunos. As escolas que impulsionaram esses projetos em seus respectivos municípios incluem: o Colégio Estadual Cecília Lotin, em Barra Bonita; as escolas Municipal Bandeirante e Hélio Wasun, de Bandeirante; a Escola Municipal Waldemar Antônio Von Dentz, de São Miguel do Oeste; as escolas Professora Lurdete Pacheco Demarco e Adolfo Silveira, de Paraíso; a escola Júlio Vicente de Pelegrin, de Guaraciaba; e, no município de Princesa, as escolas Antenor Nascentes e a Escola Municipal Renascer.
As ações são realizadas desde o ensino fundamental até os ensinos médio e técnico, envolvendo também estudantes e professores da Casa Familiar Rural de Guaraciaba. Com os pequenos, são inseridos componentes lúdicos, como as bombas de sementes, criadas nas oficinas de bolas de barro. A proposta desta atividade é misturar sementes de espécies nativas às bolinhas de barro e argila, que posteriormente são lançadas próximo aos corpos hídricos, para ressemear a área.

A presença do Sicoob foi determinante no fornecimento de materiais como palanques e arames e, até mesmo, de insumos para a construção de estufas em escolas, que produzem mudas de espécies nativas e plantas medicinais. Para Carlos Paganini, as parcerias são fundamentais para o sucesso dos projetos porque “dão credibilidade e envolvem diversos setores da sociedade, como moradores ribeirinhos, agricultores, alunos, familiares, professores e funcionários das instituições parceiras”.
Clístenes Guadagnin defende que todos os participantes destes projetos são promotores da sustentabilidade ambiental. Além disso, ele salienta que “as ações ambientais da Epagri são muito importantes para a região, porque promovem a sustentabilidade e o equilíbrio ambiental, fundamentais para o desenvolvimento agropecuário e a qualidade de vida da população”.
Na Epagri, diversos profissionais contribuíram diretamente para a execução desses projetos. Além dos extensionistas já citados matéria, é importante ressaltar a colaboração dos extensionistas Alésia Inês Lauschner (Itapiranga), Claudinei Isoton (Barra Bonita), Francisca Freiberger (Bandeirante), Graziele Paula Daltoé Schnorr (Princesa), Rejane Rigo (São José do Cedro), e Ivan Canci e Jacir Strapazzon (Anchieta), fundamentais para na aplicação e o sucesso destas ações.
Desenvolvimento e sustentabilidade
Os projetos ambientais desenvolvidos no Extremo Oeste de Santa Catarina, comprovam que agricultura e pecuária podem e devem caminhar lado a lado com a preservação ambiental.
O líder do projeto da Epagri Solo, Água e Ambiente no Extremo Oeste afirma que “a produção agrícola, se não for conduzida de forma sustentável, pode levar à perda de habitats, contaminação do solo e água, e diminuição da diversidade de espécies. No entanto, a agricultura pode ser aliada da preservação da biodiversidade e do meio ambiente, adotando práticas sustentáveis que minimizem os impactos negativos e promovam a saúde dos ecossistemas”, reflete.
O que são matas ciliares?
As matas ciliares são classificadas como áreas de preservação permanente (APP) desde 2012, pelo Código Florestal brasileiro. Em virtude de sua importância para a qualidade de vida no campo e na cidade, a manutenção e proteção destas áreas era considerada primordial em Santa Catarina, antes mesmo de sua inclusão como APP no Código Florestal. Por este motivo, começaram a surgir no Estado ações de educação ambiental, projetos e programas, como o Pacto da Mata Ciliar e o Microbacias 1 e 2, preocupados com a recuperação destes ecossistemas de forma orientada ou integral.

Quando o projeto Microbacias 1 teve início em 1991, percebeu-se que a mesorregião Oeste era uma das mais degradadas, apresentando problemas como erosão, assoreamento, ausência de saneamento básico e contaminação dos afluentes. Após a priorização de ações, como a melhoria de estradas rurais, proteção de fontes de água e construção de esterqueiras, até 1999, a chegada do Microbacias 2, em 2002, incentivou a implantação de projetos voltados especialmente para as matas ciliares.
Por: Karin Helena Antunes de Moraes, jornalista bolsista Epagri/Fapesc