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Sistema de criação de terneiras da Epagri melhora a produtividade do leite

  • Pecuária

Santa Catarina ocupa a quinta posição no País em produção de leite: de acordo com a Epagri/Cepa, estima-se que em 2016 foram produzidos 3,1 bilhões litros. Desse número, cerca de 75% vem do Oeste Catarinense, considerado a grande bacia leiteira do Estado. Desde 2010, um novo sistema de produção na região está resultando em vacas ainda mais produtivas, o que deve levar o Estado a subir nesse ranking. A tecnologia traz resultados que vão além da produtividade: os animais são mais saudáveis, o produtor é melhor remunerado e o leite é de melhor qualidade.

O segredo do sucesso está no cuidado com as terneiras, que serão as vacas do futuro. “A criação de terneiras deve ser encarada como um investimento financeiro futuro, onde o incremento da lucratividade está condicionado principalmente à geração de filhas mais longevas e rentáveis nos rebanhos leiteiros. Esse deve ser um dos principais objetivos dos produtores de leite”, explica o engenheiro-agrônomo Carlos Mader Fernandes, extensionista rural da Epagri na região de Concórdia, no Oeste Catarinense, coordenador do programa Pecuária.

Ele esclarece que é considerada uma boa vaca aquele animal que apresenta alto rendimento de leite com alta porcentagem de gordura e proteína, eficiência na transformação de pasto em sólidos de leite e longa vida produtiva com alta eficiência reprodutiva, além de resistência a doenças e à mastite.

Dos 90 aos 150 dias, os animais recebem feno à vontade e ração limitada (Foto: José Fontanella/Epagri)

Para que o animal adulto tenha essas características, os cuidados no início da vida são determinantes. Não basta que o animal tenha boa genética se outros fatores de ordem ambiental e nutricional não colaboram para que ele desenvolva suas qualidades. “Terneiras criadas em um sistema adequado, com atenção ao local de criação, à nutrição e à sanidade, serão vacas mais produtivas”, salienta o extensionista.

O sistema de criação de terneiras preconizado pela Epagri é adaptado à proposta da Empresa para o desenvolvimento sustentável da pecuária, baseada no uso de pastagens perenes de alto potencial produtivo. Atualmente, mais de 6,2 mil famílias catarinenses conhecem esse sistema, que demanda um manejo simples e com pouca mão de obra, reduz o custo de produção e a mortalidade dos animais, melhora a sanidade dos animais e a qualidade do leite e faz com que as fêmeas atinjam maturidade para cobertura já com 15 meses. Esse sistema está sendo implantado como piloto no Oeste Catarinense e em breve será levado para outras regiões.

Qualidade do leite e melhor preço no mercado 

No novo sistema, o cuidado começa antes do parto. Na propriedade da família Voloszyn, em Concórdia, 21 dias antes de parir as vacas ficam em piquete separado com alimentação especial, à base de pastagens, silagem, feno e ração pré-parto. “Acompanhar o parto é prioridade aqui em casa”, diz o filho Matheus, que atualmente cria 64 animais da raça Jersey na propriedade de 28 hectares, juntamente com os pais.

A família Voloszyn aderiu ao sistema de criação de terneiras em 2009 e dobrou a produção de leite por hectare. Mas aumentar a produção não é o fator mais importante para eles: o diferencial é produzir com menor custo e colocar um leite com mais qualidade e mais competitivo no mercado, apresentando maior porcentagem de gordura e proteína, com menor contagem de células somáticas e bacterianas. “Até 2009, para cada real recebido pelo leite, nosso custo era de R$0,78. Hoje está em R$0,54. Nossa meta é chegar a R$0,40”, afirma Matheus. O jovem produtor segue à risca as recomendações da Epagri e hoje sua propriedade é referência para as demais propriedades leiteiras da região.

Ao completar cinco meses, os animais ocupam piquetes coletivos, mas a alimentação é individual (Foto: José Fontanella/Epagri)

Lá a criação passa por três fases distintas: a primeira vai até 90 dias, quando as terneiras ficam em piquetes individuais de 70m², que contêm água e um abrigo (casinha) com ração e sal mineral específicos para a idade. Elas são amamentadas no período, mas a quantidade diária vai diminuindo com o tempo, começando com cinco litros e terminando com três. “O objetivo é que os animais comam mais ração nos últimos dias, pois a proteína dela é mais importante para o crescimento”. Nessa fase os animais ocupam a área nobre da propriedade, que é ao lado da sala de ordenha.

A segunda fase vai dos 90 aos 150 dias. As terneiras continuam em piquetes individuais, que agora aumentam para 180m², com abrigos dimensionados e planejados de forma diferenciada, que podem ser divididos em dois ou em quatro partes para atender de dois a quatro piquetes, onde são fornecidos feno à vontade, sal mineral e ração com 18 a 20% de proteína. A ração é limitada: são oferecidos 1,0kg de manhã e 1,0kg à tarde, pois o objetivo é que o animal não engorde muito. “Nessa fase, é importante que o animal se alimente de feno para desenvolver o rúmen. Como o feno não tem água, fornece mais energia que o pasto”, reforça Matheus.

Ao completar cinco meses, as terneiras passam a dividir piquetes coletivos, mas com cochos individuais, onde recebem de 0,5kg a 1,5kg de ração. Nessa fase são 14 piquetes, onde elas ficam dois dias em cada um, retornando após 28 dias. O feno e a água são à vontade. Com esse método, os animais da propriedade dos Voloszyn estão prontos para a inseminação artificial aos 15 meses.  “Nossas vacas criam com dois anos, quatro meses antes de quando não usávamos esse sistema”, diz.

Confirmada a prenhez, os animais passam a ocupar o mesmo piquete das vacas secas. Eles são manejados num sistema de piquetes próprios, com mudança de área a cada dois dias. Para as vacas em lactação, Matheus separa dois piquetes para o dia (uma para a manhã e um para a tarde) e outro para a noite. Neles o produtor cultiva pastagem jiggs, capim pioneiro e missioneira-gigante consorciada com amendoim forrageiro, todas sobressemeadas com aveia no inverno.

Família de Concórdia produz leite com custo menor e com preço melhor no mercado (Foto: José Fontanella/Epagri)

Os piquetes são planejados de acordo com o potencial produtivo e conforme o período: os de dia são de 1,2 mil m² e os da noite são de 900m². “O objetivo é que o animal se alimente bem nessa fase e caminhe pouco para não perder energia, principalmente à noite. Nos piquetes da noite usamos o capim pioneiro, que produz mais massa verde e dessa forma alimenta mais”. Os animais retornam ao piquete em 28 dias, quando o pasto está em condições ideais para o pastejo.

Terneiras mais saudáveis, vacas mais produtivas

Antes de conhecer esse sistema, Matheus criava as terneiras separadas até os 90 dias, quando tudo ia bem. O problema começava quando elas passavam a compartilhar o mesmo piquete. “Elas competiam por comida, umas dominavam as outras, umas ganhavam peso, outras não”.

Outra diferença que o produtor percebeu no novo sistema é o aumento da imunidade. A diarreia nos primeiros dias de vida também deixou de ser problema. Segundo uma pesquisa realizada pelo Sistema Nacional de Monitoramento da Saúde Animal dos Estados Unidos, em 2007, estima-se que 75% das perdas até um ano de idade ocorram durante o período neonatal, ou seja, até 28 dias de idade. Os estudos concluíram que a taxa média de mortalidade de terneiras até o desmame foi de 8% em fazendas leiteiras naquele ano, quando a meta é que seja menor que 3%.  “Desse total de mortes, 56,5% foram devidas a diarreias intensas ou outros problemas digestivos, doenças relacionadas com o ambiente e o manejo”, explica Mader.

No novo sistema, tudo é registrado para alimentar uma planilha de custos (Foto: Aires Mariga/Epagri)

O sistema de criação incentivado pela Epagri está provando, com sucesso, que a mortalidade de terneiras está caindo, as taxas de crescimento estão melhorando, há maior eficiência na transformação de pasto em leite, os animais apresentam maior eficiência produtiva e reprodutiva, estão mais adaptados às condições dos sistemas produtivos à base de pastos, mais resistentes e com alta sanidade.

Na propriedade de Matheus isso é visível: a produtividade passou de 6 mil litros anuais por hectare para 13 mil. “Não melhoramos apenas a forma de criar as terneiras. Hoje conseguimos aumentar o número de animais por hectare porque aumentou a quantidade de pasto, já que começamos a cultivar variedades produtivas. Nossa meta é chegar a 18 mil litros por hectare por ano. Isso não é tão difícil, pois a propriedade já está estruturada. Outro plano para o futuro é fazer irrigação em uma área de 4,5ha, o que vai aumentar ainda mais a produtividade do pasto”, relata Matheus.

Esse sistema de criação de terneiras tem mudado não apenas a realidade da propriedade de Matheus. Para os jovens irmãos do município de Arvoredo, Vinícius e Eduardo Dedonatti, ambos de 26 anos, foi fundamental para que permanecessem no campo. E com alta lucratividade.

Alimentação recomendada de acordo com a fase da criação   

Idade do animalPiquete          Alimentação
Até 90 diasIndividual, de 70m²Leite e ração pré-inicial
De 90 a 150 diasIndividual, de 180m²Pasto, feno à vontade e ração limitada
De 6 a 16 mesesColetivoPasto, feno à vontade e ração limitada
17 a 24 mesesColetivoPasto de boa qualidade e sal mineral à vontade
21 dias antes do partoGrupo específicoPasto de baixa qualidade em proteína e alto teor de fibra, feno, silagem e ração com sal mineral pré-parto.

Mudar para permanecer na propriedade

O sistema de criação de terneiras é baseado no uso de pastagens perenes de alto potencial produtivo (Foto: Márcio Titon)

Mudar a forma de produzir leite foi decisivo para os irmãos Dedonatti. Uma crise na gestão da propriedade, em 2010, fez a dupla pensar em migrar para outra atividade e até mesmo a desistir do campo. “Foi quando o extensionista local da Epagri nos convidou para uma palestra sobre bovinocultura de leite. Aquele evento foi um divisor de águas para a família”, relata Vinícius.

A mudança começou com o manejo dos animais, que antes ficavam todos juntos no pasto. Com orientação da Epagri, a área de 12,4 hectares foi dividida em 75 piquetes, a pastagem foi melhorada e os animais começaram a ganhar mais peso.

Mas os maiores resultados vieram a partir de 2016, com a implantação do novo sistema de criação de terneiras. Antes os animais eram criados até 90 dias em galpão fechado, todos juntos, sem contato com o pasto, alimentando-se de leite e de ração superproteica. Depois desse período se juntavam aos demais no pasto e logo começavam a perder peso. Hoje eles nascem e já vão para piquetes individuais até completar cinco meses, com abrigo para se proteger do sol e da chuva como também faz o Matheus, de Concórdia. A ração permanece nesse período, mas com uma porcentagem menor de proteína, além do feno.

Segundo Carlos Mader, o antigo sistema adotado na propriedade demandava um maior investimento inicial e grande necessidade de mão de obra.  “A sanidade das terneiras também ficava comprometida: elas apresentavam alta incidência de diarreia e de problemas respiratórios, o que aumentava os custos sanitários, tanto na fase de aleitamento como na puberdade. A individualização diminui a disseminação de doenças porque reduz o contato das terneiras com os patógenos. Além de permitir o controle do instinto das terneiras mamarem umas nas outras, o que pode causar perdas de tetas funcionais provocadas por mastites adquiridas nessa fase”. Isso é confirmado pelos produtores. Segundo eles, a diarreia era muito comum e a transmissão de um para o outro era rápida. “Hoje, quando ocorre, é individualizado e de fácil tratamento”. Os irmãos também perceberam maior ganho de peso nesses 150 dias.

O dimensionamento dos piquetes é determinado pela espécie forrageira utilizada e pela raça da terneira. Para a grande maioria das regiões do Estado recomendam-se gramíneas consorciadas com leguminosas de alto potencial produtivo. Os irmãos cultivam tífton e missioneira-gigante no verão, sobressemeadas com aveia, azevém e trevo no inverno. A propriedade conta atualmente com 48 vacas das raças Jersey, Holandesa e cruzamento de ambas.

O piquete das terneiras em amamentação (até 90 dias) é de 70m². As que estão com idade de 90 a 150 dias ficam em uma área de 400m² e recebem ração e feno, como na propriedade de Matheus. “Nessa segunda fase é muito importante que a terneira tenha um consumo de cerca de 2,5kg de ração com 18% de proteína. Também é importante realizar uma desverminação no período”, explica Vinícius.

“Nesse novo sistema, como as terneiras já sabem pastar, elas continuam com ganho de peso, ao contrário da nossa antiga experiência. Antes elas demoravam três anos para parir; agora levam dois”, comemora Vinícius. Segundo Mader, a meta principal do sistema já foi alcançada pelos irmãos: fazer com que o animal atinja o peso ideal para cobertura com 15 meses: 250kg para a Jersey e de 350 a 360Kg para a Holandesa. “Atingir essa meta também tem relação com a qualidade da ração consumida. Após o desmame das terneiras, o consumo de pasto é limitado porque não atende as exigências nutricionais dos animais, sendo importante o fornecimento de ração concentrada”, afirma o extensionista.

Em um ano, a produção de leite dos irmãos Dedonatti saltou de 400 litros/dia para 700 (Foto: Aires Mariga/Epagri)

A próxima fase na criação também é importante para os resultados alcançados pelos irmãos Dedonatti. Nessas etapas, as terneiras e as novilhas são criadas em grupo e divididas por idade: um grupo é formado por animais de seis a 16 meses e o outro de 17 aos 24 meses.

Dos seis aos 16 meses de idade as terneiras têm acesso a um sistema de piquetes, com água e sombra, bem como a um estábulo, onde recebem ração concentrada e feno de forma individualizada. O tempo que os animais permanecem no piquete vai depender da altura da pastagem: eles devem entrar quando as plantas atingirem no máximo 25cm e sair quando a pastagem chegar a 7cm. “Isso leva de dois a três dias, pois depende da época do ano e da fertilidade do solo”, explica Vinícius.

Já as vacas e novilhas na fase de pré-parto recebem pasto com baixa qualidade de proteína e alto teor de fibra, feno, silagem e sal mineral pré-parto (sem sódio). As vacas em lactação recebem a melhor pastagem da propriedade, silagem (quando necessário), feno e ração.

Mader reforça que o produtor tem que ser especialista em produção de terneiras, porque animais adquiridos de fora da propriedade costumam trazer problemas dos locais de origem. Essa recomendação os irmãos Dedonatti seguem direitinho, pois eles passaram por uma experiência muito negativa em 2010: dos sete animais adquiridos, seis morreram de amarelão (estresse da mudança).

Profissionalização, gestão financeira e planos para aumentar a produção

Com todas as mudanças, a produção de leite na propriedade dos irmãos saltou de 400 litros/dia para 700, alcançando uma média de 12,6 mil litros por hectare por ano, bem perto da meta da Epagri, que é de 15 mil. “Considerando que a propriedade implantou este sistema de criação de terneiras no ano passado, esses números são excelentes”, comemora o extensionista.

Vinícius aponta outras mudanças além da produtividade. “Uma melhora que percebemos se refere ao desenvolvimento dos animais: dá para dizer que melhorou cerca de 50%. Eles estão atingindo a puberdade mais jovens e mais pesados, apresentando melhores índices de reprodução. Também temos menor taxa de descarte ou perda de animais”.

O produtor acompanha essas transformações na ponta do lápis: tudo é registrado para alimentar uma planilha de custos. “Antes não tínhamos noção do lucro, por isso nos endividávamos. A gestão financeira da propriedade é fundamental”, diz o jovem agricultor, que afirma ter hoje um trabalho com menos esforço físico e muito mais planejamento. “Às vezes me pergunto por que não começamos a usar esse sistema antes. Hoje temos uma vida diferente, não trabalhamos apenas em função das contas pra pagar”.

Para quem pensou em abandonar a produção de leite, os planos atuais são bem ambiciosos: o sonho é adquirir mais área para chegar a 300 animais, mais do que quatro vezes o número atual. Enquanto isso, a dupla segue se profissionalizando: Eduardo é engenheiro-agrônomo recém-formado pela Universidade Federal da Fronteira Sul, em Chapecó, e Vinícius pretende investir em algum curso na área de veterinária.

Por Isabela Schwengber, jornalista – isabelas@epagri.sc.gov.br

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