A lavoura de mandioca é uma das que mais dão trabalho para o agricultor. Preparar o solo, plantar as ramas, controlar plantas espontâneas, arrancar e transportar a raiz são tarefas que exigem muito esforço braçal. De acordo com cálculos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a mão de obra chega a 45% do custeio total da lavoura de mandioca para a indústria de fécula e farinha. No caso da mandioca de mesa (aipim), em que há menos mecanização, estima-se que a proporção alcance 60%. O controle de plantas espontâneas e a colheita representam quase 90% do esforço físico dedicado à cultura.
O pesquisador Enilto Neubert, da Estação Experimental Experimental da Epagri em Urussanga, trabalha há 20 anos com a cultura da mandioca e conhece bem as necessidades dos produtores. Segundo ele, além de ter custo elevado, a mão de obra, para controlar plantas espontâneas, com capinas manuais ou mecânicas, está cada vez mais escassa. “Diante dessa realidade, tem aumentado muito o uso de herbicidas nas lavouras, com o agravante de que alguns desses agrotóxicos nem sequer são registrados para a cultura”, acrescenta.
Foi a partir dessas dificuldades que surgiu a ideia de testar o cultivo de aipim em canteiro revestido com lona – como já se faz com morango e alface, por exemplo. “Sabemos que a cobertura do solo com filmes plásticos ajuda a protegê-lo contra erosões e a controlar o surgimento de plantas espontâneas. Também modifica a temperatura do solo e do ar próximo a ele e reduz perdas de umidade”, explica Enilto. Restava, então, saber como a cultura se comportaria nesse novo ambiente, já que não havia trabalhos científicos com esse enfoque.
Testes em campo
O experimento foi realizado na Estação Experimental de Urussanga com o cultivar IAC 576/70. Depois da adubação, a equipe revestiu os canteiros com uma lona e fez furos no plástico para enterrar as manivas (pedaços de ramas). O plantio foi testado com as manivas na posição horizontal e na vertical. “O plantio vertical, em tese, seria melhor para mecanizar o processo. Mas o horizontal é o mais praticado hoje”, justifica Enilto. Daí até o dia da colheita, não se mexeu mais na lavoura.
Quase oito meses depois, o resultado escondido embaixo da lona animou a equipe. “O experimento mostrou que o uso do plástico como cobertura do solo no cultivo de mandioca de mesa é tecnicamente viável. Ele mostra ser possível um novo sistema no qual se consegue elevar a produção de raízes de qualidade com menos mão de obra, esforços e agrotóxicos. Há ainda maior brotamento de manivas, menor perda de água e melhor proteção do solo”, resume o pesquisador Enilto.
A primeira boa impressão veio já na colheita, que ficou mais fácil, exigindo pouco esforço físico. Uma das explicações é que, sem o impacto direto da chuva, que compacta o solo, a terra fica mais solta, aerada, facilitando a retirada das raízes. No sistema convencional, a maioria dos produtores puxa manualmente a planta, o que compromete a saúde e dificulta a atração de mão de obra para a atividade. Apenas os agricultores mais bem estruturados utilizam um “afofador” acoplado ao trator para deixar as plantas mais soltas e facilitar o trabalho manual.
Outra notícia animadora para quem sua a camisa retirando as plantas espontâneas é que a cobertura plástica eliminou a necessidade de mão de obra desde o plantio até a colheita. Não foi preciso capinar nem usar herbicidas ao longo de todo o ciclo. “Esse resultado é importante porque a mandioca leva de 90 a 110 dias para cobrir o solo e, enquanto isso, o crescimento de plantas invasoras é constante”, destaca Enilto.
No teste da posição das manivas, o plantio na horizontal levou a melhor. Nesse caso, as plantas produziram raízes mais alongadas, lisas e com menos refugos – em resumo, melhores para o mercado. Além disso, a colheita ficou bem mais fácil do que no teste com as manivas na vertical.
Novas perguntas
Por conta das boas mudanças que pode trazer para a cadeia produtiva, a pesquisa da Epagri recebeu reconhecimento internacional em um evento científico no ano passado. O trabalho foi premiado como um dos mais importantes entre os apresentados no XVI Congresso Brasileiro de Mandioca e no I Congresso Latino-Americano e Caribenho de Mandioca, realizado em Foz do Iguaçu (PR).
Mas para que esse avanço realmente se transforme em um novo pacote tecnológico para o cultivo da mandioca, novas pesquisas ainda precisam ser feitas. Um exemplo está na produtividade. Embora o resultado da colheita tenha animado os pesquisadores, pois ficou acima do de outro experimento realizado em uma área próxima, falta estudar o rendimento da lavoura comparando-o com o sistema tradicional.
Os pesquisadores também precisam definir como será o manejo da água nesse novo sistema, já que não foi feita irrigação no primeiro experimento. “É fundamental, ainda, determinar as curvas de absorção de nutrientes para orientar a fertirrigação, que vai permitir dosar a quantidade de nutrientes necessária em cada etapa do desenvolvimento da planta”, detalha Enilto. Ele também pretende estudar o comportamento das doenças de solo e a viabilidade econômica do sistema.
Outra área em que é preciso avançar é a mecanização do sistema, que vai facilitar todas as etapas, desde o plantio até a colheita. “Fizemos o trabalho já estabelecendo a possibilidade de que alguma empresa se interesse em desenvolver uma máquina que encanteire, estenda e fixe a lona e plante as manivas numa só operação, a exemplo do que já existe para algumas hortaliças”, explica o pesquisador.
Mas mesmo que ainda haja estudos a fazer, a tecnologia já pode ser testada pelos agricultores, especialmente porque diminui bastante a mão de obra. Alguns produtores estão implantando pequenos canteiros revestidos para ver como a lavoura se comporta com a novidade. E com os próximos passos da pesquisa, não deve demorar para essa tecnologia mudar a forma de produzir mandioca de mesa.
Raízes por todo o Estado
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2013 Santa Catarina plantou 28,5 mil hectares de mandioca e colheu 551 mil toneladas. Não há dados exatos, mas estima-se que entre 10% e 20% desse total sejam de mandioca de mesa, ou seja, em torno de 2,8 mil a 5,7 mil hectares que produzem 55 mil a 110 mil toneladas de raízes por ano. “Se considerarmos a área média de 1ha por agricultor, teremos entre 2.850 e 5.700 envolvidos com a atividade. Também estimo que existam cerca de 200 indústrias processadoras que oferecem ao mercado mandioca descascada, resfriada ou congelada, e ainda na forma de chips, bolinhos e palito”, diz o pesquisador Enilto Neubert, da Epagri.
A maior parte da produção sai das regiões de Joinville, Tijucas, São João Batista, Grande Florianópolis e Sul do Estado. No Oeste, onde predominava o cultivo para a subsistência, o plantio para processamento também começa a ganhar espaço. As vendas ainda se concentram nos mercados locais e regionais, próximos das indústrias processadoras. Mas, aos poucos, empreendimentos mais estruturados começam a abastecer redes de supermercados. A grande limitação para a expansão dessa cadeia produtiva ainda está na oferta de matéria-prima em quantidade e com qualidade.
Por Cinthia Andruchak Freitas, jornalista – cinthiafreitas@epagri.sc.gov.br