Aproximar o produtor rural do consumidor final é um desafio histórico dentro da Epagri. O objetivo da Empresa é diminuir o número de intermediários entre quem produz e quem compra o alimento, trazendo vantagens para agricultores e consumidores. A Epagri adota estratégias diferentes para alcançar esse objetivo e vem, a cada ano, promovendo um estreitamento nessa cadeia.
Cadeias curtas são definidas pelo número de intermediários entre quem produz e quem compra o produto. Não que o intermediário seja necessariamente ruim. Acontece que, ao colocar produtores e consumidores em uma relação direta, a Epagri tem alcançado êxito ao viabilizar que o agricultor se aproprie da renda que ficaria com o intermediário, ao mesmo tempo em que estabelece uma relação de confiança entre as partes, o que pode gerar uma fidelização no consumo.
Daniel Uba, coordenador do Programa Gestão de Negócios e Mercados (GNM) da Epagri, explica que a Empresa vem trabalhando principalmente em três frentes para formação de cadeias curtas na agricultura catarinense: criação e fortalecimento de feiras livres, realização de rodadas de negócios entre produtores rurais e atacadistas e a adesão dos agricultores às políticas públicas que incentivam a venda direta de alimentos para escolas e outras instituições.
Feiras livres
As feiras livres são espaços democráticos. Lá, em meio à divertida balbúrdia, o consumidor pode comprar produtos frescos diretamente de quem produz, estabelecendo com ele uma relação de confiança e, muitas vezes, até de amizade. Nos últimos três anos, o estado de Santa Catarina vem observando a expansão das feiras livres. Em muitos casos, isso é reflexo do trabalho dos extensionistas da Empresa, que têm se empenhado para que os municípios destinem espaços adequados para a prestação desse serviço.
Um bom exemplo de sucesso é a Feira da Agricultura Familiar de Içara, no Sul do Estado, criada em setembro de 2016 numa parceria entre a Epagri, a Cooperativa de Agricultura e Pesca Familiar do município (Coopafi) e a prefeitura. Em princípio a feira era móvel e funcionava em barracas de lona desmontáveis. Para a consolidação do trabalho, o Programa SC Rural investiu R$119.246,40 na montagem de uma estrutura fixa, para estabelecimento da feira num espaço cedido pela prefeitura, ao lado da rodoviária, onde foram construídas nove bancas em alvenaria.
Todas as sextas-feiras, das 7h às 13h, os consumidores de Içara podem ir até a feira livre e encontrar gente como a Maria Angélica Morotescoski, que ao lado do marido Domingos vende geleias e panificados sem glúten e sem lactose. “O casal se destaca pela criatividade e pelo bom humor. Sempre desenvolvem um produto novo ou resgatam uma receita tradicional e apresentam grande empatia com o público e habilidade com vendas, oferecendo amostras para degustar”, descreve Saymon Antonio Dela Bruna Zeferino, extensionista da Epagri em Içara e um dos idealizadores da feira. Ele conta que essa vocação natural para o negócio é um diferencial para aqueles que pretendem se destacar nesse tipo de comércio.
Tem também a Aceloir Estevam e seu esposo Édio. Em 2018 eles resolveram abandonar completamente a produção de fumo para se dedicar à produção de embutidos suínos que vendem na barraca.
Para apoiar os negócios dos feirantes, a Epagri se uniu à prefeitura de Içara e criou o vale-feira. A cada mês, os 1,3 mil funcionários municipais locais recebem R$16,90 para gastar exclusivamente na Feira da Agricultura Familiar. De acordo com a lei que criou o vale, ele será reajustado em 30% em 2018 e ganhará mais um reajuste, nesse mesmo percentual, no ano seguinte. Também já estão sendo negociadas outras formas de vales-feira com entidades dos setores público e privado, tudo para fomentar os negócios da agricultura familiar de Içara.
Rodadas de negócios
As rodadas de negócios são eventos que vêm sendo apoiados pela Epagri por todo o Estado para promover transações entre grandes compradores – geralmente representantes de supermercados – e agricultores. “A Epagri vem sensibilizando a Associação Catarinense de Supermercadistas (Acats) para esse tipo de negociação, que oferece tratamento diferenciado ao agricultor familiar”, explica Daniel Uba. Hoje acontecem em média 20 rodadas anuais de negócios por todo o Estado, promovidas por iniciativa das unidades da Epagri nas regiões e nos municípios.
Entre os vários agricultores beneficiados por esse tipo de ação estão a Fabiana e o Ilton Wagner, produtores de palmito e proprietários da Conservas Wagner & Pasold, em Guaramirim, na região Norte de Santa Catarina. Eles produzem 9 mil vidros de palmito em conserva por mês e encaminharam bons negócios durante a rodada da 3ª Feira Sabor Rural, realizada em Joinville em 2017. Fabiana conta que no evento conseguiu fazer contato com um mercado importante da região de Blumenau e com uma rede de supermercados estadual. “Estamos namorando”, declara ela com bom humor, a respeito das negociações com esses compradores.
Lá no Extremo Oeste do Estado, a Feira Comercial e Industrial de São Miguel do Oeste (Faismo), realizada em novembro de 2017, é outra que abriu espaço para uma rodada de negócios entre agricultores e comerciantes, com bons resultados. A rodada de negócios oportunizou divulgar 25 agroindústrias formalmente legalizadas existentes na região. Entre elas está a Laticínios Três Irmãos, de Palmitos, que viu suas vendas de queijo aumentarem em mil quilos ao mês graças à participação no evento. Ou a família Matiello, que produz pêssego e uva em Descanso e aumentou em 20% seu faturamento devido aos contatos estabelecidos na rodada.
Em Fraiburgo, a Epagri organiza, desde 2016, a Feira da Agricultura Familiar & Rodada de Negócios da Expoaciaf, evento promovido pela Associação Comercial e Industrial local. Só no ano passado, a rodada de negócios viabilizou a divulgação de dez agroindústrias e duas redes de cooperação existentes na região. Foram nove negócios fechados somente durante o evento, nas cadeias produtivas de panificados, carnes, hortaliças, artesanato, queijos, doces, geleias e compotas.
Políticas públicas
A Epagri também aposta nas políticas públicas do Governo Federal para encurtar o caminho entre o agricultor e o consumidor. Hoje a Empresa é a principal articuladora, juntamente com a secretarias municipais de educação, na execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). A lei nº 11.947, de 16/6/2009, prevê que 30% do valor repassado pelo Programa às escolas públicas seja investido na compra direta de produtos da agricultura familiar. É aí que entra a Epagri, como agente de aproximação entre os agricultores e as escolas municipais.
“A estratégia é criar ou fortalecer colegiados de nutricionistas nas regiões”, explica Daniel Uba. Isso porque as nutricionistas são as responsáveis pela elaboração do cardápio e das listas de compras das escolas. Ao fazerem contato com o agricultor, elas ficam conhecendo os produtos disponíveis na região, as épocas de colheita de cada um, e podem adaptar os cardápios dos estudantes a essa realidade. Segundo Uba, no Planalto Norte Catarinense o percentual de compra das escolas que cumpriam a lei nº 11.947 saltou de 33% para 54% no ano passado, muito desse resultado decorrente da ação da Epagri junto ao colegiado daquela reunião.
“Muitos produtores demonstram orgulho de saber que sua produção está alimentando as crianças da cidade. Essa ação também valoriza e resgata produtos típicos da região e de grande valor nutricional, como cará, inhame, batata-doce, jabuticaba, pinhão e laranja” esclarece o coordenador do Programa Gestão de Negócios e Mercados da Epagri.
Um bom exemplo de atendimento ao Pnae está em São Bento do Sul, cidade do Planalto Norte Catarinense com 80 mil habitantes, 11 mil deles alunos da rede pública municipal. Rogério Pietrzacka, extensionista rural da Epagri no município, relata que em 2018 a cooperativa de produtores rurais local (Aprosul), com 35 associados, fechou um contrato de R$560 mil para fornecimento de alimentos à secretaria municipal de educação. Em 2015, quando teve início o fornecimento, esse valor era de R$420 mil. Este ano a cooperativa também vai atender à prefeitura de Campo Alegre, cidade vizinha, com quem estabeleceu contrato de R$110 mil.
Para atender um cardápio que se estende pelo ano todo, o produtor rural tem também que adaptar seu cultivo. “É a quebra do paradigma do agricultor safrista”, decreta Rogério. O produtor rural precisa escalonar sua produção de modo a colher no maior período do ano as hortaliças e frutas que estão definidas no contrato. Por isso, o atendimento coletivo, por meio de cooperativas ou associações, é o ideal, permitindo que o grupo se organize para atender à demanda planejada. Em casos extremos, de quebra de safra em toda a região, a alternativa é negociar, diretamente com a nutricionista responsável, a substituição de um produto por outro similar.
Bráulio Ingo Muehlnann é um dos agricultores que não quer mais ser safrista. Ele planta brócolis, cebola, couve, cenoura, “um pouco de tudo”, como diz. Bráulio ingressou na cooperativa Aprosul há três anos e preside a Associação de Agricultores de São Bento do Sul. Sua produção vai quase toda para cumprir o contrato do Pnae; o pouco que resta ele destina às cozinhas industriais da região. O produtor rural conta que o valor pago pelo programa é um pouco mais alto que o mercado e ainda tem a segurança de saber quanto vai receber no fim de cada mês. “É muito raro atrasar”, revela.
Como presidente da Associação, cabe a ele se comunicar com a nutricionista semanalmente e dividir a produção entre os agricultores integrantes do contrato, uma ação muito importante, como explica Rogério. “Às vezes é mais barato produzir repolho, por exemplo. Mas não podemos concentrar toda a produção de repolho em um agricultor só, é fundamental evitar os nichos”, esclarece o extensionista.
Yuri, o filho mais novo de Bráulio, em breve vai ingressar no ensino fundamental da cidade, mais um motivo para ele se orgulhar de fornecer alimentos para a rede escolar. Por outro lado, também é um incentivo para buscar uma produção mais sustentável. “Tento usar o mínimo de veneno e de adubo, para ter um produto mais limpo”, relata o agricultor. Essa realidade se repete entre os outros fornecedores locais, já que a maioria tem filhos ou parentes próximos desfrutando da alimentação escolar.
Além do Pnae, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) é uma alternativa de cadeia curta cada vez mais acessada pelos agricultores catarinenses, segundo Daniel Uba. Trata-se de uma ação do Governo Federal para colaborar com o enfrentamento da fome e da pobreza no Brasil e, ao mesmo tempo, fortalecer a agricultura familiar.
Os alimentos adquiridos diretamente dos agricultores formam estoques estratégicos e também são distribuídos à população em vulnerabilidade social, por meio de entidades de assistência social, nos restaurantes populares, bancos de alimentos e cozinhas comunitárias. São usados ainda em cestas de alimentos distribuídas pelo Governo Federal.
Outra parte dos alimentos é adquirida pelas próprias organizações da agricultura familiar, para formação de estoques próprios. Desta forma é possível comercializá-los no momento mais propício, em mercados públicos ou privados, permitindo maior agregação de valor aos produtos.
A compra pode ser feita sem licitação. Cada agricultor pode acessar até um limite anual e os preços não devem ultrapassar os valores praticados nos mercados locais.
Vantagens
Ao acessar as diversas modalidades de cadeias curtas, o agricultor não precisa diminuir valores, uma vez que consegue vender pelo preço final. Já o consumidor paga um preço justo. Mas as vantagens vão muito além. Nos casos dos agricultores que atendem Pnae e PAA, por exemplo, a grande diversidade de culturas agrícolas num mesmo espaço garante um solo mais rico e um ambiente mais protegido de ataques de pragas e doenças, quando comparado com a monocultura.
Outro grande diferencial é a possibilidade de o produtor rural escalonar seus ganhos financeiros. “Na feira-livre o agricultor tem um rendimento semanal, mas muitas vezes essa não é a sua única atividade. No Pnae ele consegue um rendimento mensal. Então, na gestão da produção, ele pode escalonar seus rendimentos”, descreve Daniel Uba.
Para participar de eventos, feiras e rodadas de negócios, o agricultor precisa também estar com sua propriedade totalmente regularizada, principalmente em termos sanitários e legais. “Nas feiras, o próprio consumidor cobra, desconfiando de rótulos escritos à mão, por exemplo, ou outras ações suspeitas”. Para atender a essa cobrança do mercado, muito agricultores procuraram a Epagri nos últimos anos para acessar verbas públicas que financiaram readequações de instalações das agroindústrias e até construção de sistemas de saneamento básico nas propriedades.
Outra ação da Epagri que permite que o produtor rural acesse cadeias curtas é a criação de identidade visual para as marcas da agricultura familiar. Segundo Daniel Uba, desde 2005 a Epagri desenvolve projetos com o DesignLab, um laboratório vinculado aos programas de graduação e pós-graduação em design da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nessa parceria, estudantes aprofundam seus conhecimentos na realidade de cada agroindústria para criar logotipos, rótulos, placas e outros instrumentos de identidade visual que reflitam a realidade cultural do agricultor e de sua região.
No ano passado, 27 empreendimentos rurais das regiões da Grande Florianópolis, Blumenau e Joinville receberam sua identidade impressa em placas, aventais, chaveiros e cartões de visitas. Os agricultores também receberam um manual com recomendações e sugestões de como utilizar suas marcas. O projeto teve financiamento do Programa SC Rural e apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (Fapeu).
Legislação
A legislação catarinense também se adequou para permitir que o próprio agricultor comercialize sua produção. A lei Nº 16971, de 26/07/2016, criou a figura do micro produtor primário no Estado de Santa Catarina. O documento dá benefícios tributários para agroindústrias, como isenção de Imposto Sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) para vendas destinadas a consumidor final, até o limite de R$120 mil por ano.
“O agricultor beneficiado pela lei pode vender com nota fiscal de micro produtor rural, mas seus produtos só podem ser comercializados dentro de Santa Catarina”, esclarece Daniel Uba. Outra alternativa é o produtor rural comercializar produtos industrializados via CNPJ de cooperativa, mediante um termo de comodato assinado entre agroindústria e a cooperativa. “Ou, ainda, o agricultor pode ter CNPJ de microempresa e seguir na condição de segurado especial do INSS”, enumera o coordenador da Epagri.
Assim, com apoio da Epagri, da legislação, de políticas públicas federais, estaduais e municipais, o agricultor catarinense vem se tornando cada vez mais um agente de promoção de desenvolvimento econômico, social e ambiental em sua cidade, atendendo diretamente consumidores que podem se beneficiar com alimentos mais frescos, limpos e baratos em suas mesas.
Gisele Dias – giseledias@epagri.sc.gov.br