Uma planta que não precisa de agrotóxicos, é imune a formigas, demanda pouca água, em seis meses alcança seu tamanho final, pode ser cultivada em terrenos declivosos, ajuda na contenção de encostas e pode ser usada de mais de 10 mil formas. Sim, ela existe e provavelmente você conhece. Estamos falando do bambu, que também salva vidas.
Pelo menos a vida da agricultora Eloisa Tessari, de Caçador, ele salvou. “Eu devo minha vida a Deus, ao bambu e à Epagri”, conta ela, que superou uma depressão grave quando conheceu o artesanato com a planta em um curso sugerido pela extensionista Daniela Helena Conorath.
Eloisa é mais uma das cerca de 1,6 mil pessoas que a Epagri capacitou, em 80 cursos espalhados pelo Estado. A capacitação da Epagri forma pessoas para produção e manejo do bambu, bem como para confecção de itens derivados dele, como artesanatos e móveis.
“Minhas mãos são grandes, não eram boas para artesanatos como crochê, mas para o bambu elas servem”, resume Eloisa, que encontrou na atividade um novo motivo para viver. “Foi uma história emocionante, minha depressão não existe mais, me sinto feliz, me sinto muito bem”.
Início em 2019
Gilmar Carlos Michelon Dalla Maria, extensionista da Epagri em Curitibanos, conta que o trabalho da Empresa com o bambu começou em 2019, com o estabelecimento de um termo de cooperação técnica com a Associação Catarinense do Bambu (BambuSC). A partir daí, a Empresa começou a promover cursos para agricultores e artesãos interessados na manufatura da planta.
Ao longo desse período, os extensionistas da Empresa também realizaram experimentos com bambu em sete municípios catarinenses: Tubarão, Joinville, Agronômica, Curitibanos, Videira, Maravilha e Concórdia. Esse trabalho reuniu as informações necessárias para indicar qual cultivar é mais adequado para as diferentes realidades do território catarinense.
A Câmara Setorial do Bambu, lançada em 25 de junho pela Secretaria de Estado da Agricultura e Pecuária veio dar mais uma contribuição a esse trabalho. O objetivo do novo órgão é formular e executar uma política pública para o setor.
O bambu é conhecido e utilizado no oriente há milênios, para as mais diversas funções: na alimentação, para estrutura de casas, na construção de paredes, telhas, portas, janelas, cercas, pontes, embarcações, na irrigação, como dreno e para contenção de encostas. Também pode ser transformado em mobiliário, utensílios de cozinha, objetos de decoração, peças de arte, entre outras aplicações.
São mais de 10 mil usos registrados no mundo para o bambu. “A China exporta, anualmente, mais de 1,4 mil itens produzidos a partir dessa matéria-prima, girando bilhões de dólares e gerando milhares de empregos”, ressalta Gilmar.
Valor ambiental e nutracêutico
Para muito além de sua exploração econômica, o bambu é uma planta de grande valor ambiental. Bambuzais demandam pouco ou nenhum manejo e não necessitam de agrotóxicos. Segundo Gilmar, são excelentes sequestradores de carbono e podem ser utilizados em reflorestamentos, na recomposição de matas ciliares e como protetores e regeneradores ambientais.
“A cadeia produtiva do bambu pode beneficiar o meio ambiente, evitando o corte de árvores e de matas nativas e gerando renda e empregos, além de contribuir para fixar o homem no campo”, avalia o extensionista. Nesse sentido, ele lembra que o Brasil dispõe de clima favorável e grande extensão de áreas degradadas, inaptas para outros cultivos, mas adequadas ao plantio de diversas variedades da planta.
Como se tudo isso não bastasse, o bambu ainda serve como alimento e tem importantes propriedades nutracêuticas. Seus brotos têm presença significativa de fitoesteróis, triterpenos e fenóis. As propriedades farmacológicas dos bambus vem sendo comprovadas por pesquisas nos últimos anos, sobretudo as atividades antioxidantes, antimicrobiana e antitumoral. “Na Ásia, suas espécies são amplamente empregadas pela medicina e alimentação tradicional, mas sua utilidade como alimento funcional ainda é desconhecida do grande público ocidental”, relata Gilmar.
A agricultora Eloisa não precisou nem se alimentar do bambu para obter benefícios para sua saúde. Só de sentar debaixo do bambuzal de sua propriedade, já sente bem-estar. O som que o bambuzal faz ao balançar com o vento é um bálsamo para ela.
Mas nem sempre foi assim. Antes de passar pelo curso da Epagri, em 2023, ela sequer conhecia o bambuzal cultivado há 14 anos pelo marido Valdemar Tessari, seu grande apoiador. Quando conheceu, foi tomada por um encantamento que fez dela uma fã e defensora incondicional da planta.
Sentido para a vida
A propriedade dos Tessari sempre foi atendida pela Epagri. Em 2023 ela participou do curso Flor-e-Ser, oferecido pela Epagri à mulheres do meio rural. Era mais uma tentativa de encontrar um novo sentido para sua vida de agricultora, ofício que herdara dos bisavós.
Ao final do curso Flor-e-Ser, Eloisa precisava escrever um projeto relacionado às benfeitorias que desejaria fazer em sua propriedade, onde produzia tomates, frutas e outros alimentos. Mas nada a motivava. “Com 53 anos, o que eu ia fazer? Não me encontrava em nada na propriedade”, descreve.
Foi aí que a extensionista Daniela deu a ideia: porque não fazer a capacitação em beneficiamento de bambu? A extensionista conhecia o bambuzal dos Tessari, cultivado para produzir estacas para tomateiros, e sabia do potencial da planta para outros usos.
Eloisa foi para o curso da Epagri sem muita esperança, desanimada que estava com a vida. Na companhia da filha, aprendeu a fazer seu primeiro utensílio de bambu, uma colher. A partir daí, não parou mais. “Eu me apaixonei por aquela colher”, conta com bom humor.
Essa paixão espantou a depressão e trouxe um novo ânimo para a agricultora. A produção de artesanato com bambu tornou-se o motivo de seu trabalho de conclusão do curso Flor-e-Ser, que recebe financiamento da Secretaria de Estado da Agricultura e Pesca para ser implementado.
A empolgação foi tanta, que ela nem esperou a verba do financiamento sair, já foi logo comprando o maquinário necessário: lixadeira, esmerilhadeira, furadeira, serra circular, entre outros. “Minha família achou que eu estava louca”, diverte-se. Tudo foi instalado numa antiga garagem da propriedade, que agora está sendo substituída por uma bela estrutura de metal, erguida com o dinheiro do projeto.
Hoje a agricultora conta com a marca Bambu Eloisa Artesanatos. Produz e comercializa bancos, suporte para velas, sinos de vento, copos, obras de arte, luminárias, fontes de água, colheres e tudo mais que o que sua cabeça imaginar e suas mãos puderem executar. Os itens são vendidos em feiras, no Instagram (@tessari.eloisa) e no boca a boca. Como o negócio é novo, o lucro ainda é pouco, gira em torno de R$1,2 mil por mês. Mas, o maior ganho comemorado pela agricultora no manejo dessa planta foi recuperar sua saúde mental e seu amor pela vida no campo. “Com o bambu eu me descobri”.
Por Gisele Dias, jornalista da Epagri
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