Garantir alimentação saudável para a população, especialmente crianças em idade escolar, é dever do Estado e um direito da população. A agricultura familiar desempenha um papel fundamental nesta missão. É o que prova o sítio Saberes da Mata, em Balneário Piçarras, que emprega o sistema agroflorestal para produzir alimentos com sustentabilidade ambiental, econômica e social.

A propriedade, localizada no bairro Morretes, produz cerca de 180 tipos de alimentos. São frutas, grãos, tubérculos, ervas medicinais e PANCs, cultivados ao longo do ano para que nunca falte alimento na mesa dos produtores e das crianças da rede pública municipal de Penha e Balneário Piçarras, para quem o sítio fornece alimentos orgânicos desde 2023.
Uma conquista para o casal de produtores, que iniciou a jornada de aprendizado sobre produção de alimentos agroecológicos em 2011, e para as crianças que podem consumir alimentos mais seguros. E que contou com a ajuda fundamental do trabalho de extensão da Epagri, para que seus produtos se tornassem elegíveis para acessar políticas públicas.
Luiz Gustavo Teixeira, 43, e Claudete Bonath, 46, estão juntos há 21 anos e em 2012 abandonaram seus empregos para apostar no cultivo agroecológico na propriedade de menos de três hectares, herança da avó de Luiz, Aracy de Borba Teixeira. Até então, Claudete trabalhava como administradora numa confecção, e Luiz, engenheiro ambiental, atuava na Defesa Civil em Pomerode.

Em 2011 o casal foi para Canela (RS) fazer o curso de pós-graduação em Agroecologia Aplicada na Universidade Monã, na serra gaúcha. Lá, passou por uma imersão nas práticas que visam o desenvolvimento rural integrado, alinhado com os preceitos da sustentabilidade. A experiência foi tão transformadora que eles voltaram para fazer estágio no ano seguinte, onde conheceram outros agricultores e trouxeram muitas das sementes que frutificaram por aqui.
Casal ajudou a formar redes de agricultores orgânicos no Nordeste
Nesta época, eles criaram o Grupo Tucum de Agroecologia em Balneário Piçarras e ingressaram na Rede Ecovida de Agroecologia, que certificou a propriedade em 2012. A Associação Ecovida de Certificação Participativa é credenciada pelo Ministério de Agricultura e Pecuária desde 2010.
A primeira experiência em conjunto com outros produtores orgânicos foi uma feirinha montada em 2012, durante a temporada de verão. Mas durante a baixa temporada a demanda caiu bastante, mostrando ao casal de produtores que era preciso reforçar a rede e buscar alternativas para comercialização.

Claudete foi coordenadora do Núcleo Litoral Catarinense da Rede Ecovida por oito anos, auxiliando no processo de certificação de aproximadamente 100 famílias. A partir de 2015, a experiência adquirida no cultivo na propriedade e no núcleo de agricultores credenciou o casal a se tornar consultor do Sebrae no Nordeste do país, para desenvolver a certificação participativa e a construção de redes de agroecologia por lá.
Entre os anos de 2015 e 2017, Luiz e Claudete dirigiam mais de 2 mil km, mês sim, mês não, para chegar em Ilhéus (BA), e construir as bases da rede de agroecologia Povos da Mata, composta por 200 famílias produtoras de cacau, entre outros frutos da terra. Entre essas famílias haviam grupos de assentados, agricultores familiares e indígenas. De lá, o casal trouxe mudas de pau-brasil, cacau, cupuaçu, abacaxi vermelho e araçauna.
“Nossa intenção sempre foi fazer uma produção o mais diversificada possível para suprir a propriedade, afinal não se come uma coisa só, e fazer uma Casa de Sementes, que servirá como banco genético”, explica Claudete. Para não descuidar da própria plantação, eles optaram por plantar espécies rústicas, que não precisam de tanto manejo, e frutíferas, que demoram anos para frutificar, como o abacaxi.
Após o sucesso da iniciativa da Rede Povos da Mata, o casal foi ainda mais longe, para Sergipe, para ajudar na criação da Rede Plantar Para a Vida, composta por 20 famílias de agricultores. Por lá ficaram fazendo incursões mensais até 2019. Além da troca de experiências com diferentes realidades do Brasil, a temporada trouxe grande diversidade de plantas para cultivar na propriedade como cará, jenipapo, jaca e outros. E, aos poucos, a mata foi sendo repovoada com o palmito juçara, que hoje produz o açaí.

No ano seguinte, a propriedade em Balneário Piçarras ficou pintada com tons de amarelo e laranja, quando os abacaxis atingiram o auge da maturidade, em sua primeira safra. Ao contrário do plantio convencional, onde a colheita é feita toda de uma vez, no sítio agroecológico o fruto só é colhido quando está no auge do dulçor. Outras frutas que podem ser encontradas e degustadas no sítio são: bacupari, mangostão, figo, araçá, pitanga, fisalis, acerola, graviola, guabiroba, cambucá, uvaia, jabuticaba, seriguela, distribuídas na floresta adornada por flores ornamentais.
Logo em seguida, em 2020, a pandemia paralisou o mundo. Foi o momento de o casal parar para pensar sobre o que poderia ser feito em época de isolamento social. E não tiveram dúvida: construir a própria casa, com material de demolição e recicláveis, como garrafas de vidro, utilizadas como luminárias na parede, feita com tijolos reaproveitados de uma antiga estufa de secar fumo. Até a tinta foi feita de barro. A casa ficou pronta em dois anos.
E onde a Epagri entra nesta história?
O engenheiro-agrônomo e extensionista rural da Epagri em Balneário Piçarras, Eraldo Luís Monteiro, conheceu o casal de produtores acompanhando o trabalho desenvolvido pelo Grupo Tucum, desde 2015. Em 2022, Eraldo os convidou para participar de um evento promovido pela Epagri e Secretaria de Educação de Penha, com o tema “Oportunidades de negócio para a Agricultura Familiar na alimentação escolar” através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Na época, o município se interessou pelo abacaxi e o pó de açafrão da terra. Mas havia um problema: Claudete secava as raízes no fogão à lenha e depois triturava, o que não atendia à legislação sanitária para fornecer a especiaria. Então, Eraldo e a extensionista rural de Penha na época, Naiara Sampaio Silva, ajudaram a elaborar o projeto de uma cozinha container financiado pelo Fundo de Desenvolvimento Rural.

Mas era preciso também adquirir equipamento para desidratar a raiz; então, no mesmo ano, Claudete participou do curso de empreendedorismo feminino da Epagri Flor-E-Ser, cujo projeto de conclusão foi o lay-out da cozinha adaptada, equipada com uma desidratadora. No ano seguinte, com o apoio da nutricionista de Penha, Ellen Joice, Claudete aprendeu a fazer banana passa e farinha de banana verde.
“Foi um desafio porque para fornecer para a merenda escolar você tem que produzir em quantidade. No primeiro ano foram 250 vidros de açafrão, nem sabíamos se tínhamos condições, mas deu certo”, relembra Claudete. Além dos alimentos desidratados, o sítio também fornece aipim congelado para estudantes de Penha e Balneário Piçarras. Para consumo próprio são plantadas outras raízes como inhames, taiá, mangarito, cará. O galinheiro fornece ovos e galinha caipira.

Para democratizar o conhecimento adquirido ao longo dessa jornada, o Saberes da Mata abriu a porteira para o turismo pedagógico no ano passado, quando começou a receber grupos de estudantes da rede pública para ter contato com um sistema de produção de alimentos em harmonia com a natureza. Além de conhecerem espécies de árvores nativas da Mata Atlântica, frutos locais e de outras regiões do Brasil, os visitantes são recebidos com uma deliciosa garapa, café e quitutes como banana passa.
Interessados em fazer a visitação, e adquirir os produtos orgânicos produzidos no sítio podem entrar em contato através do fone (47) 99105-8826. A melhor época para adquirir os abacaxis é durante os meses de verão.
Por Renata Rosa, jornalista bolsista da Epagri/Fapesc
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