A produção agropecuária de Santa Catarina foi impactada pelas consideráveis quantidades e intensidades de chuvas registradas no final de 2023, principalmente em outubro e novembro. Segundo a Epagri/Ciram, em cada um desses dois meses os valores acumulados foram 400% acima da precipitação média climatológica mensal prevista. As consequências disso foram as inundações nas diversas bacias hidrográficas do Estado, com destaque para as dos Rios Itajaí, Iguaçú, Canoinhas, Timbó, Peixe, Canoas, Chapecó e Uruguai.
Essas chuvas causaram impactos negativos das mais diversas formas na agricultura: atraso da semeadura de culturas de verão em razão dos elevados níveis de umidade do solo; perdas totais nas lavouras que estavam em pleno desenvolvimento, localizadas em áreas de várzeas e nas proximidades dos mananciais, que ficaram completamente submersas; e atraso na colheita de culturas de inverno, com consequências negativas na quantidade e na qualidade dos grãos colhidos.
Além disso, a baixa insolação, característica desses períodos chuvosos, provocou alterações fisiológicas e, consequentemente, diminuição do crescimento das plantas. Por outro lado, as chuvas excessivas aumentaram consideravelmente a quantidade de água no solo. Com umidade excessiva, o fluxo de água dentro do solo provocou a ocorrência de um fenômeno chamado lixiviação, que se caracteriza pelo movimento descendente de nutrientes importantes, tais como o potássio e o nitrogênio, localizados nas camadas superficiais do solo, para longe das raízes das plantas, prejudicando seu crescimento.
Porém, o que mais chamou a atenção de todos foi a ocorrência da erosão nas lavouras, encostas e estradas em geral. Muito embora o solo estivesse protegido superficialmente por cobertura viva ou morta (palha) contra o impacto da chuva, a erosão acabou ocorrendo devido ao escoamento superficial concentrado, com energia suficiente para arrastar a palha e o solo causando a abertura de sulcos de erosão dos mais diversos tamanhos.
Esse escoamento superficial é o resultado em parte da limitada capacidade de infiltração de água no solo, agravada, em muitas situações, pela existência de camadas compactadas, geralmente em profundidades de 10 a 20cm. Com o excesso de chuva e limitação na infiltração, o resultado é o grande volume de escoamento de água e solo em suspensão, também chamado de enxurrada. Na medida que essa enxurrada avança para cotas mais baixas em áreas com declividades acentuadas, ocorre o fluxo concentrado, aumentando a erosão, que se torna visível com sulcos cada vez maiores nas lavouras.
Essa enxurrada carrega as partículas de solo levando junto os fertilizantes e outros agroquímicos aplicados na lavoura, e até mesmo sementes recém-semeadas ou recém-germinadas. Parte desse material todo pode ser depositado nas partes mais baixas do relevo ou é transportado até os cursos d’água, provocando assoreamento do leito. Outro impacto é a poluição e eutrofização dos mananciais, prejudicando a flora e a fauna aquática e causando problemas sérios para o abastecimento urbano.
A erosão também causou impactos nas estradas e rodovias que cortam as lavouras. Quando a enxurrada é drenada diretamente das lavouras para as estradas ou quando ocorre erosão por deslizamento, a deposição de terra sobre o leito das estradas não só dificulta o trânsito como pode, até mesmo, causar graves acidentes. O volume da enxurrada também pode danificar as estruturas de drenagem, como canais e bueiros, e causar erosão nas margens das estradas, abrindo muitas vezes sulcos laterais profundos. Tudo isso contabilizado colabora para o aumento considerável dos prejuízos à sociedade em geral.
E, no final de tudo, com o grande volume de água escoando das partes mais altas para as partes mais baixas do relevo, ocorre o aumento repentino do nível dos mananciais (sangas, riachos e rios) cujas águas avançam sobre as áreas ribeirinhas (áreas de proteção ambiental, lavouras, pequenos aglomerados de casas até grandes extensões urbanizadas) provocando prejuízos desde pequena até grande monta.
Ações emergenciais
Nos eventos decorrentes de elevados índices pluviométricos concentrados em curtos períodos podem ocorrer processos erosivos e também outros processos hidrológicos, tais como deslizamentos de solo e desmoronamentos de encostas. Por isso torna-se imperativo implementar ações emergenciais em áreas de riscos, tais como:
Acionamento da Defesa Civil do Município: em função da magnitude do evento, as áreas de risco devem ser avaliadas e as contenções necessárias devem ser providenciadas com o apoio operacional da Prefeitura Municipal. O órgão responsável por essa ação é a Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil (COMPDEC).
Isolamento de efeitos do processo erosivo: normalmente o processo erosivo é fruto de uma concentração excessiva de enxurrada num mesmo ponto; assim, como se fosse um mapa mostrando de onde a água está vindo, orienta-se isolar a área com erosão, rachaduras ou deslizamentos, desviando parte da água com práticas simples, como a confecção de canaletas ou abertura de sulcos, de forma a direcionar a enxurrada para fora do(s) ponto(s) com erosão.
Interdição de vias e acessos: é importante, até que seja possível, arrumar as vias e/ou sinalizar as áreas críticas com fitas zebradas, cones ou tábuas de forma que fique bem visível e de maneira eficiente, para qualquer transeunte, a fim de não causar acidentes.
Evitar tráfego de animais: também é importante evitar a entrada de animais nas proximidades das áreas que sofreram deslizamentos, rachaduras e/ou abertura de sulcos, evitando assim a intensificação do processo erosivo.
Proteções transitórias: se possível, cobrir com lona ou palha a cicatriz aberta; essa medida é paliativa, mas serve para estancar o aumento progressivo da área erodida, pelo menos evitando a ação direta da chuva.
Cuidado ao mexer na área: no período de chuvas, não tentar cobrir os sulcos abertos com terra solta ou fazer mobilização de terra com máquinas; isso pode aumentar o volume de solo solto e provocar novos deslizamentos.
Barreiras físicas: é possível construir estruturas de contenção usando materiais disponíveis na propriedade tais como troncos, galhos, sacos plásticos ou de ráfia ou pneus preenchidos com terra ou areia, colocados de lado na inclinação do terreno, especialmente onde a erosão é mais intensa. Uma barreira muito eficaz pode ser feita com bambus dispostos tanto na horizontal quanto na vertical, amarrados juntos e fixados de maneira a funcionar como uma barreira sólida.
Ações de médio prazo
Ações de médio a longo prazo dizem respeito à implantação de práticas ou estruturas capazes de recuperar as áreas afetadas ou que fazem parte de um planejamento técnico para aumentar a resistência do solo e dissipar as forças que atuam no processo da erosão hídrica. O conjunto dessas ações são conhecidas tecnicamente como práticas conservacionistas de solo.
Em razão do grau de degradação causado pela erosão é possível e/ou necessário utilizar práticas edáficas, que são aquelas para recuperar a condição produtiva do solo (em especial a fertilidade do solo); práticas vegetativas, que são aquelas que visam proteger e dar resistência ao solo contra a erosão com o cultivo e manejo adequado dos mais diversos tipos de plantas (grãos, hortaliças, pastagens e para cobertura do solo); e, por último, as práticas mecânicas, que valem-se das máquinas agrícolas para construir estruturas de terra para controle da erosão.
O uso ou a implantação isolada de alguma dessas práticas, de maneira alguma, será suficiente para recuperar nem tão pouco manter o solo produtivo. Assim sendo, a recomendação técnica é o planejamento criterioso para o uso integrado dessas “boas” práticas que, no final das contas, irá representar a viabilização da agricultura conservacionista por parte dos agricultores.
O uso integrado dessas práticas conservacionistas mais conhecido é chamado de Sistema Plantio Direto (SPD), que preconiza o preparo do solo apenas na linha de semeadura, a cobertura (viva ou morta) permanente do solo, a diversificação de espécies cultivadas na lavoura na forma de sucessão, rotação ou consorciação de culturas, o manejo integrado de pragas, doenças e de plantas daninhas e o uso racional de insumos necessários para a manutenção da fertilidade do solo. O SPD reduz o tempo necessário para as atividades agrícolas, os recursos para implantação e condução da lavoura e a pegada ambiental da agricultura, promovendo a sustentabilidade dos sistemas de produção agropecuários. A imagem a seguir ilustra uma lavoura cultivada em Sistema Plantio Direto de Hortaliças (SPDH), no município de Angelina, com registro em 20 de novembro de 2023.
Com a adoção de todas essas práticas (edáficas e vegetativas), o SPD tem capacidade de dissipar 100% da erosão provocada pelas chuvas. No entanto, ao mesmo tempo não é tão eficaz contra a energia da enxurrada que escoa sobre o solo e provoca o aparecimento de sulcos de erosão. Para tanto, faz-se necessário agregar ao sistema o uso de práticas mecânicas complementares como as descritas abaixo.
Cultivo em contorno ou em nível: é uma prática essencial para reduzir a velocidade e volume de escoamento superficial e controlar a erosão, uma vez que os sulcos de semeadura funcionam como verdadeiros sumidouros de água e os talos e raízes das plantas funcionam como verdadeiras barreiras ao escoamento superficial, forçando a deposição das partículas de solo e diminuindo a velocidade do escoamento.
Cultivo em faixas de culturas alternadas: trata-se do cultivo alternado de duas ou mais culturas ao mesmo tempo e na sequência da encosta. Se uma cultura oferece pouca resistência ao escoamento e proporciona pouca proteção à superfície do solo, uma faixa de cultura com elevada proteção à superfície e capaz de proporcionar resistência ao escoamento deve ser cultivada imediatamente abaixo. Na safra seguinte, as culturas nas faixas são invertidas, formando um esquema de rotação de culturas. As larguras das faixas podem ser variáveis, conforme ilustrado na imagem a seguir, registrada no dia 6 de dezembro de 2023.
Terraços agrícolas: os terraços são as práticas mecânicas de conservação do solo mais conhecidas pelos agricultores. São estruturas artificiais construídas a partir da movimentação de terra para formar um camalhão e um canal para armazenar água. Os terraços dividem a encosta em espaços menores nos quais a enxurrada, caso houver, não é capaz de causar erosão. Os terraços podem ser em nível (como a imagem abaixo) ou gradiente, e sua eficiência está associada a outras práticas conservacionistas tais como a semeadura em nível, a rotação de culturas e a manutenção da cobertura permanente do solo.
Canais escoadouros: são canais construídos para direcionar o volume de água oriundo dos terraços de drenagem sem que haja erosão, de forma segura até um leito estável e protegido. Deve ser protegido por plantas de cobertura, preferencialmente gramíneas forrageiras, de hábito rasteiro, crescimento agressivo, perenes e de alta produção de raízes e parte aérea para cobrir completamente o solo. A forma do canal é geralmente trapezoidal, aumentando de cima para baixo.
Locação de estradas: a abertura das estradas rurais ou sua readequação devem, sempre que possível, atender critérios de localização e de traçado que busquem observar os menores desníveis ou inclinações do terreno, além de seguir as curvas de nível e/ou os divisores de água com relevo plano à suave ondulado.
Faixas de vegetação permanente: são formadas pela sequência de faixas de culturas perenes, cultivadas em contorno, intercaladas com a cultura principal. Recomenda-se o cultivo de espécies de ciclo longo, grande densidade de raízes, crescimento rápido, desenvolvimento denso junto ao solo, sem apresentar hábito agressivo capaz de se alastrar lateralmente e prejudicar as culturas adjacentes. Exemplos: capim vetiver, cana-de-açúcar e capim elefante.
Recuperação e conservação de matas ciliares: oferecem proteção adicional contra eventos climáticos extremos, atuando como uma barreira natural que reduz os impactos diretos da água e do vento nas áreas adjacentes, ocupando também espaços que naturalmente são propensos a riscos. Cercar as áreas e plantar espécies adaptadas às condições de clima e solo da região e que tenham rápido crescimento são condições que podem acelerar o processo de recuperação.
Essas são algumas práticas resumidas para o manejo e conservação do solo em regiões afetadas por processos erosivos. A implementação coordenada nas propriedades rurais não apenas reduz os impactos imediatos, mas também estabelece bases sólidas para enfrentar desafios climáticos futuros, promovendo a resiliência do setor agrícola em Santa Catarina. A situação de calamidade pública desencadeada pelo excesso de chuvas, assim como as situações de estiagem vividas em anos anteriores, destaca a urgência de adotar ações integradas, envolvendo políticas públicas e programas que incentivem o correto uso, manejo e conservação do solo em áreas agrícolas e urbanas. O objetivo é aprimorar a saúde do solo, controlar a erosão e prevenir a poluição do solo, cujos efeitos terão impactos significativos na infiltração, no armazenamento e na disponibilidade futura de água, assim como na qualidade do solo.
*Autores e contatos:
Juliane Garcia Knapik Justen – Extensionista Rural – Gerência Regional de Rio do Sul – (47) 3526-3083
Leandro do Prado Wildner – Pesquisador Epagri/Cepaf, Chapecó – (49) 2049-7510
Júlio César Ramos – Pesquisador Epagri/Cepaf, Chapecó – (49) 2049-7546
Guilherme Xavier de Miranda Junior – Pesquisador Epagri/Ciram, Florianópolis – (48) 3665-5124
Clístenes Antônio Guadagnin – Extensionista Rural – Gerência Regional de São Miguel do Oeste – (49) 3631-3229
Álvaro José Back – Pesquisador Estação Experimental em Urussanga – (48) 3403-1382