Eles acordam cedo para tirar leite, mas à noite pegam o carro e vão para a balada. Entram no e-commerce e fazem sucesso vendendo alimentos produzidos na propriedade com receitas da avó. Estudam, compram equipamentos e insumos pela internet e fazem a gestão da propriedade em planilhas no computador. Entram em contato com produtores de outras regiões pelas redes sociais para resolver problemas da lavoura. Organizam-se em grupos, cuidam do meio ambiente, empreendem, cursam faculdade, compram carro e apartamento, fazem acontecer.
É assim, dividindo o tempo entre as atividades da propriedade e a tecnologia, entre o meio rural e o urbano, que se desenrola a rotina dos jovens que estão no campo por opção e não por falta dela. Muitos, depois de tentar a vida na cidade, estão fazendo o caminho contrário para virar empreendedores do meio rural. Na visão deles, o campo é um negócio, mas também significa liberdade: ser o próprio patrão, não ter horários fixos, aproveitar as comodidades da vida urbana sem perder a qualidade de vida do interior e – por que não? – lucrar muito mais do que se estivessem na cidade.
Em Santa Catarina, o Estado decidiu apostar no poder de transformação dos jovens para tentar frear o êxodo rural e o envelhecimento da população no campo. De acordo com o IBGE, na década de 1950, 77% da população do Estado estava no meio rural. Hoje são apenas 16%.
Em 2012, a Epagri iniciou o curso de Formação em liderança, gestão e empreendedorismo, uma capacitação oferecida para jovens rurais de 18 a 29 anos, viabilizada com recursos do Programa SC Rural. Até o ano passado, 934 jovens foram beneficiados em 38 cursos. Para 2016 estão previstos mais 14 cursos com 500 participantes. As aulas abordam temas como liderança, empreendedorismo, inclusão digital, autoconhecimento, gestão de negócios, produção agrícola e não agrícola e qualificação no setor turístico.
No curso, os alunos desenvolvem projetos voltados ao empreendedorismo, e as melhores propostas ganham apoio financeiro do SC Rural para ser executadas. Até 2015, 250 projetos foram apoiados com R$2,4 milhões, e este ano a meta é repassar mais R$3,2 milhões para 300 projetos. “Esse incentivo, muitas vezes, significa o ponto de partida para um sonho que o jovem tem, mas não consegue, por si só, realizar e colocar em prática”, destaca Rose Mary Gerber, antropóloga da Epagri que coordena o trabalho com jovens rurais.
De São Bonifácio para o mundo
De ajudante da mãe nas tarefas domésticas a empresária aos 19 anos. Foi assim que a vida de Elizabeth Buss, de São Bonifácio, se transformou depois de fazer o curso. A chave para o sucesso estava dentro de casa: Elizabeth resgatou as receitas de bolachas da família, que adoçavam o Natal e a Páscoa desde que ela era criança, e abriu uma fábrica na propriedade.
Com o toque da jovem, as bolachas amanteigadas, tradicionais e de melado ganharam decorações que mais parecem obras de arte. “Estamos sempre aprimorando a decoração. Pesquisamos muitos modelos na internet; essa é a nossa principal fonte de atualização”, conta. Na página do Facebook criada por ela, as Bolachas Buss ganharam o mundo. “Aceitamos encomendas, fazemos vendas e divulgamos os produtos pela internet. Mas também vendemos na propriedade, em lojas de Santa Catarina e de outros estados.”
O empreendimento deu tão certo que a irmã mais velha e o cunhado largaram a vida na cidade para trabalhar com Elizabeth e o marido dela, Fábio. A empresa tem pouco mais de um ano e já vende cerca de mil bandejas de bolacha por mês. “A gente já foi mais longe do que imaginava”, revela Elizabeth, que agora sonha mais alto. Este ano, os Buss vão construir uma agroindústria maior e, depois, planejam abrir um café colonial. “Antes eu não tinha ideia do que queria fazer da vida, mas agora sei exatamente o que quero para meu futuro”, diz a empresária.
Um pé no campo, outro na cidade
“Três ou quatro vezes por mês vamos a Chapecó pegar balada. Pode ser quinta, sexta ou sábado, não interessa o dia”, conta Vinícius Dedonatti, de 24 anos, que vive no interior de Arvoredo e comanda a produção de leite com o irmão gêmeo, Eduardo. Os negócios vão tão bem que eles estão comprando um apartamento em Chapecó para ter onde ficar quando vão às festas. “Acho que iria me sentir preso na cidade. Gosto de ser livre, dono do meu tempo e não precisar cumprir horário. Aqui a gente aproveita mais a vida”, diz Vinícius.
No mundo virtual, a vida também é agitada: os irmãos têm perfis em diversas redes sociais e estão sempre atualizados com o que surge de novo. “Gostamos de tecnologia. Usamos para conhecer gente, encontrar amigos, estudar e pesquisar coisas do trabalho”, conta o jovem.
Mas antes dos momentos de lazer, eles têm muita disposição para trabalhar. Assumiram a produção de leite na adolescência e, em 2011, com ajuda da Epagri, implantaram uma série de tecnologias para melhorar a atividade. Hoje são 16 hectares de pastagem e 38 animais em lactação. A produtividade subiu de 6 mil para 15 mil litros por hectare e o custo de produção caiu pela metade. “Antes não sobrava quase nada de lucro e agora a renda quase triplicou”, diz Vinícius.
Neste ano, Eduardo termina a faculdade de Agronomia, então Vinícius vai fazer Medicina Veterinária. No futuro, eles pensam em produzir queijos diferenciados para elevar ainda mais a renda. “Na adolescência eu tinha vergonha de viver no interior e trabalhar no campo, mas agora não, vejo isso como um negócio. Os jovens precisam buscar melhorar a propriedade para melhorar a renda, se não estão perdendo tempo de vida”, aconselha Vinícius.
Doce decisão de voltar
Testemunha, desde criança, da dificuldade que os pais tinham em sustentar a família no campo, Marcelo Machado, hoje com 27 anos, chegou a trabalhar na cidade, mas não deu certo. “Foi bom porque quando a gente sai e vê coisas novas, abre a cabeça”, conta. De volta à propriedade, no interior de Anitápolis, ele fez cursos, montou um aviário e profissionalizou a produção de mel. Hoje os pais estão aposentados, Marcelo cuida das colmeias e o irmão mais novo, André, trabalha no aviário.
“Sou apaixonado por apicultura”, resume. Foi com essa paixão que Marcelo já elevou para 20kg de mel por ano a produção de cada colmeia. “Tenho as colmeias numeradas, o que me permite ter controle da produção, da idade das rainhas, da troca de rainhas, além de saber quando uma colmeia está com problema. São questões que ajudam a melhorar o resultado”, conta o apicultor. O mel é extraído na propriedade, que agora conta com estrutura e equipamentos adequados.
Ciente da importância de preservar, o jovem mantém uma reserva legal de 4,5 hectares, protege nascentes e está trabalhando para obter a certificação orgânica do mel. “A apicultura tem que cuidar da preservação porque a abelha depende da flor para sobreviver”, defende.
Marcelo é secretário da Associação dos Apicultores de Águas Mornas e, pela internet, se comunica com outros produtores. “Em termos de tecnologia, a gente não está atrás de quem vive na cidade. Para mim, a internet é fundamental para investir na atividade”, ressalta. Apesar de viver conectado, ele não abre mão da tranquilidade e da independência que a vida no campo proporciona. “Gosto de comandar a propriedade; estou realizado e não troco isso por nada. Pude ver o que tinha na cidade e o que tenho aqui e acho que aqui é o meu lugar.”
A terra que uniu a família
Depois de anos trabalhando em outras propriedades, em 2009 a família Bazi comprou um pedaço de terra em Bandeirante. O pai, Severino, se encarregou de iniciar a pecuária leiteira e o restante da família ficou na cidade, trabalhando em indústrias. Em 2011, o filho Claudinei terminou o curso de Técnico em Agropecuária, voltou à propriedade e iniciou um projeto de produção orgânica de hortaliças.
No ano seguinte, o outro filho, Valdinei, e a mãe, Valmi, também retornaram e a olericultura ganhou fôlego. Em 2013, Valdinei fez o curso para jovens rurais. “Cerca de 80% do que aprendi lá consegui implantar na propriedade. O curso dá uma visão bem atual da agricultura e do mercado e passa bastante conhecimento técnico. Também aprendi a fazer a gestão financeira no computador”, conta. Com projeto aprovado pelo SC Rural, ele construiu uma cisterna com sistema de irrigação que usa água da chuva.
Depois que a família se uniu na produção de hortaliças, a renda anual, que era de R$24 mil, cresceu para cerca de R$200 mil brutos por ano, resultado da colheita de cerca de 80t de morango, 50t de tomate e 30t de feijão, entre outras culturas. Nenhum agroquímico é usado nas hortaliças, que em breve terão certificação orgânica. “Nossos pais nos apoiaram desde o início a tocar nosso negócio. Antes eles plantavam fumo e grãos e agora estão aprendendo com a gente”, diz Valdinei.
Claudinei se formou em agroecologia e está cursando Processos Gerenciais. Valdinei casou-se no ano passado, concluiu o ensino médio e agora quer iniciar uma faculdade. “Gosto de trabalhar com a família. Tenho orgulho do que faço, de ouvir o cliente dizer que gosta do nosso produto. A agricultura é uma das áreas que mais têm futuro; pena que poucos jovens se interessam por ela”, diz.
Força nas tramas do vime
Franscieli Capistrano, de Bocaina do Sul, aprendeu a produzir vime e fazer cestas com os pais ainda pequena. Hoje, aos 30 anos, se orgulha de sustentar a família com a atividade. “Há cinco anos eu tive vontade de trabalhar fora. Fui trabalhar em um restaurante e tirava R$1 mil por mês. Mas voltei porque não existe coisa melhor do que morar no sítio e ficar perto da família. Aqui a gente ganha mais e consegue aproveitar a vida”, conta.
A vida de Franscieli melhorou depois do curso de empreendedorismo da Epagri, que a uniu a outros jovens para ganhar força no mercado. Juntos, eles acessaram políticas públicas para melhorar as lavouras e o artesanato e fazer a comercialização conjunta da produção. Hoje são 16 jovens fazendo um trabalho que beneficia, indiretamente, cerca de 400 famílias. “O curso abriu a cabeça da gente, deu visão de mercado, de como valorizar os produtos. Antes eu vendia uma cesta a R$3, agora vendo a R$8, prontinha, embalada”, diz Franscieli.
A artesã aumentou a produção de 25 para 80 cestas por dia depois de reformar o galpão e comprar maquinário. O galpão agora tem piso de madeira, tanque adequado para molhar a matéria-prima e espaço para guardar o artesanato. A máquina de rachar palitos de vime prepara, em duas horas e meia, palitos suficientes para produzir cestas durante uma semana. No processo manual, era preciso passar uma semana preparando o vime para produzir cestas durante dois dias.
O grupo já fechou novos negócios e, aos poucos, quer eliminar os atravessadores na venda do artesanato para aumentar a margem de lucro. Este ano, a prefeitura vai ceder um espaço para os jovens construírem um ponto de venda para as cestas. Eles também conseguiram um caminhão, com apoio do SC Rural, para transportar a produção. “Estamos juntos no grupo e ganhamos força. A união fortalece”, diz Franscieli.
Nova geração, novo perfil
Diante do exemplo de jovens que levam sangue novo para o campo, a imagem do agricultor isolado do resto do mundo, que vive para a terra e não tem acesso ao lazer, vai aos poucos se redesenhando. Para a antropóloga Rose Mary Gerber, da Epagri, a agricultura de Santa Catarina está ganhando novos líderes, com novos perfis. São jovens exigentes, cada vez mais atualizados, que querem conquistar espaços de protagonismo nas propriedades. “Trata-se de um novo jovem, que tem maior nível educacional do que a média atual e comportamento diferenciado quanto a demandas tecnológicas. É um jovem que está optando por ficar no espaço rural como forma e meio de vida e não por ser a única saída, a exemplo de seus antepassados”, resume.
Embora o movimento ainda não tenha grandes proporções, Rose acredita que o dinamismo e o comprometimento dessa nova geração tem potencial para, no futuro, transformar o cenário rural do Estado. “Se esse movimento tiver apoio de governantes e instituições visando subsidiar e apoiar os projetos dos jovens e formular políticas públicas específicas, vejo um futuro de uma agricultura familiar mais valorizada, tanto no meio rural quanto no urbano. Vejo pessoas reconhecidas pelo fato de produzirem a energia que move o mundo – o alimento.” No que depender da vontade dessa nova turma, a agricultura do Estado estará em boas mãos.
CAMPO CADA VEZ MAIS CONECTADO O Governo do Estado, por meio da Secretaria da Agricultura e da Pesca, atua em várias frentes para promover a inclusão digital no meio rural. São quatro programas que beneficiam diversos municípios com a parceria das prefeituras, recursos próprios e do SC Rural e apoio da Epagri. O Programa Kit Informática atende jovens rurais com financiamento de até R$3 mil para pagar em três anos. Se pagar as parcelas em dia, o jovem recebe 50% de desconto. Em três anos, 1.873 jovens receberam mais de R$4 milhões para a aquisição de 1.738 notebooks, 95 computadores de mesa, 1.021 impressoras e 482 kits para a internet.O Programa de Inclusão Digital Beija-Flor leva aos meios rural e pesqueiro telecentros equipados com computadores e acesso à internet. Nesses espaços, são promovidos cursos voltados à alfabetização e à inclusão digital. Já são 133 telecentros no Estado, gerando aproximadamente 10 mil acessos mensais. A secretaria também disponibiliza recursos aos municípios para implantar serviços de telefonia fixa e internet no meio rural. Cabe às prefeituras fazer o estudo de viabilidade técnica e elaborar o projeto técnico. Já são 23 projetos implantados, com investimento de R$2,3 milhões.No primeiro semestre deste ano, o SC Rural põe em prática o Projeto Piloto em Comunidades Rurais Digitais, que vai investir R$4,7 milhões para levar internet a 11 municípios. |
Por Cinthia Andruchak Freitas, jornalista – cinthiafreitas@epagri.sc.gov.br